Debate no SBT é síntese de um Brasil que regrediu

Se fosse possível explicar a um extraterrestre o que se tornou o cenário político brasileiro após a emergência da extrema direita no Brasil e de sua ascensão ao poder, o debate do SBT da noite deste sábado seria mais que ilustrativo. Não só pela presença de seu representante maior, mas porque ali estavam figuras que também traduziam o contexto histórico que possibilitou o triunfo do atual presidente.

O predomínio do tema corrupção, que não saiu da boca dos participantes, mostra que a base fundadora da antipolítica continua firme. O assunto não foi levantado com uma discussão séria a respeito de formas, mecanismos e instrumentos para combater o problema, mas sim como arma para atacar, em especial, Lula e o PT. Em segundo plano, o tema foi usado como munição entre os presidenciáveis presentes.

Foi justamente em um ataque de Bolsonaro a Ciro a única ocasião em que o pedetista confrontou de fato o candidato do PL, oportunidade que não aproveitou nem no único debate em que o atual presidente esteve presente em 2018. De resto, preferiu adotar a falsa simetria lastreada na tal “polarização” que iguala os desiguais. O tipo de desserviço que oculta o real caráter do governo de plantão.

Em certa medida, o mesmo tipo de postura foi adotada por Simone Tebet, de forma mais polida, e Soraya Tronicke. E é esse o comportamento que elucida o porquê de Bolsonaro ainda ser presidente após três anos e meio de uma gestão absolutamente danosa ao país. Parte do arranjo e da acomodação do sistema político trataram e ainda tratam o ex-capitão como uma figura que estaria dentro do espectro normal e não como alguém que corrói de forma contínua o sempre frágil arranjo institucional brasileiro. A conduta, em especial de Ciro, fica ainda mais contrastante em uma semana na qual Lula ganhou diversas adesões de figuras que não estão à esquerda ou centro-esquerda.

A direita desavergonhada

Para quem viu os debates pós-redemocratização em 1989, ao vivo ou pelo Youtube, se choca com a diferença de conteúdo político real daqueles embates em comparação com o que se viu na noite deste sábado. Mas há também um outro aspecto: a direita presente ali, representada principalmente por Paulo Maluf e Ronaldo Caiado, se esforçava para parecer “moderna”, deixando o passado (leia-se a ditadura) para trás, ainda que a trajetória de ambos dissesse o contrário.

Agora, temos uma direita desavergonhada, representada não só pelo atual presidente mas pelo padre Kelmon, linha auxiliar que quase pediu votos não para si, mas para o candidato do PL. Com fixação no tema do aborto, quis “ensinar” o que era feminismo para uma mulher e ainda atribuiu à Lei de Cotas uma possível “divisão” no país. Suco do ultraconservadorismo que só pode se mostrar de forma aberta e orgulhosa por conta de um presidente eleito mesmo após ter feito apologia da tortura e da ditadura civil-militar.

Já Felipe D’Avila, do Novo, repete o padrão de normalização de Bolsonaro ao ter como alvo preferencial o petismo e pregando seu liberalismo que remonta (mais uma volta ao passado) ao mesmo ideário defendido pelo candidato Collor em 1989. O seu figurino é daquele que seria o mais apto a derrotar o PT, muito pouco para alguém que se diz pleno de propostas. 

A religião, valores supostamente morais, o liberalismo econômico e a banalização do fascismo estavam todos no debate e vão continuar entre nós mesmo depois de uma eventual derrota do bolsonarismo. No encontro, vimos um Brasil que retrocedeu, e retratado de uma forma muito nítida. É possível – e necessário – ser melhor que isso.

Edição: Thalita Pires