Acre tem um terço de florestas na mira de grileiros e caminha para “rondonização”

Uma área do tamanho da Holanda está sendo ocupada aos poucos, e silenciosamente, por posseiros no Acre. São 4,6 milhões de hectares formados majoritariamente por floresta nativa, no estado que possui uma das maiores presenças vegetais intactas do país e que nos últimos anos quebrou recordes de desmatamento. 

As terras pertencem à União, mas não têm uso definido. Isto é, não são áreas de preservação ambiental, assentamento, território indígena ou quilombola. Sem destinação específica, elas são vistas como um convite para grileiros que querem botar a mata abaixo para plantar soja ou criar gado.

Há a possibilidade de parte da área já ser ocupada por moradores, mas de forma irregular, como indicam os dados do relatório “Leis e práticas da regularização fundiária no estado do Acre”, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). 

O documento ainda mostra que a legislação do estado não define um prazo-limite para ocupação de terras públicas para regularização. Ou seja, elas podem ser invadidas a qualquer momento – ontem, hoje ou mesmo no futuro – e ainda assim serem regularizadas para os posseiros.

Além disso, cerca de um terço das terras indígenas – que já têm destinação legal – ainda não foram homologadas e também são alvo de invasões. Sozinhas, essas áreas somam quase 300 mil hectares.

O desmatamento e a grilagem se intensificaram principalmente nos últimos anos com o governo de Gladson Cameli, governador do Progressistas que apoia o presidente Jair Bolsonaro e lidera as pesquisas de intenção de voto, com chance de ser reeleito no primeiro turno.

Como Bolsonaro, Cameli formou a sua articulação política com evangélicos, ruralistas e grandes empresários das maiores cidades do estado. Em quatro anos, ele propôs o enfraquecimento de mecanismos de fiscalização ambiental, disse para produtores não pagarem multas e continua prometendo a madeireiros “desburocratizar” o setor.

O analista ambiental Govinda Terra, que trabalhou por seis anos na fiscalização de desmatamento do estado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), pondera que o discurso não é de um político específico, mas que costuma sempre ganhar força em ano eleitoral por ter alta adesão na sociedade. “O apoio à ocupação irregular dá resultado eleitoral no curto prazo, e isso gera mercado para os grileiros, pois muitas vezes eles utilizam as pessoas pobres para consolidar a ocupação e o local vira um curral eleitoral”, diz.

Cameli é um dos principais defensores da “rondonização do Acre”, um nome dado por especialistas para a mudança de foco no modelo de desenvolvimento do estado inspirado no estado vizinho de Rondônia.

“Em especial no primeiro ano de mandato, eram frequentes as idas do atual governador a Rondônia para visitar empreendimentos agropecuários, com o propósito de importar o modelo do agronegócio e atrair investidores para o estado”, afirma Luci Maria Teston, coordenadora estadual do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal-Amazônia).

Um dos exemplos da união dos governos para impulsionar o agronegócio foi a aliança entre Acre, Rondônia e Amazonas para criar o Amacro (acrônimo com os nomes dos estados) em 2019, com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. 

Desmatamento e queimada na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia) em 2022Liderados por governadores bolsonaristas, os estados atuaram para permitir que a região da “tríplice fronteira” entre eles virasse um grande polo agrícola – ou basicamente uma gigantesca plantação de soja e pasto para gado. A iniciativa foi “gestada no âmbito das federações de agricultura”, de acordo com a pesquisadora. 

Após duras críticas, principalmente de ambientalistas, o Amacro acabou se tornando uma versão mais soft, com a alegada proposta de conciliar sustentabilidade e desenvolvimento, e rebatizado como Zona de Desenvolvimento do Acre, Rondônia e Amazonas Abunã-Madeira.

Mas isso não impediu que a região se tornasse o novo marco do desmatamento ilegal no país. Somente no ano passado, ela concentrou 12% de toda a mata devastada no país, em um aumento de mais de 30% em apenas dois anos.

“O processo de desmatamento e queimadas no Acre não é recente, apesar dos dados mostrarem que houve aumento considerável nos últimos anos, em especial a partir do deslocamento da inclinação ideológica do sistema partidário da esquerda para a direita, na esteira das eleições de 2018”, diz Teston.

O meio ambiente tampouco é uma preocupação relevante na agenda legislativa acriana. Dos mais de 600 projetos de lei apresentados entre 2019 a 2021, apenas 13 proposições envolveram a temática na Assembleia Legislativa, mostram pesquisas desenvolvidas pelo Legal Amazônia.

O desmatamento e a grilagem aumentaram no governo de Gladson CameliTerra de posseiros O problema da regularização de terras no Acre é antigo. Há quem diga que o estado deveria ter três andares de altura para conseguir comportar todas as terras que foram registradas de forma sobreposta. “O Acre tem várias gerações de documentos antigos de terra emitidos no Rio de Janeiro, Manaus, Bolívia e Peru”, diz Govinda Terra. 

Na década de 1970, quando o estado ainda era recém-criado, os fazendeiros usavam avião para medir terras e depois registrar em cartório. “Quando se faz o georreferenciamento, é possível argumentar que a área é maior do que consta no documento antigo. E aí vêm as sacanagens”, ele continua.

Com mais de 80% de território ocupado por mata e pouco populado (metade dos seus cerca de 900 mil moradores vivem na capital, Rio Branco), sempre foi fácil para os posseiros driblar a fiscalização e se estender por terras cada vez mais extensas. Nos últimos anos, porém, o processo escalonou de forma nunca vista.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (