No ano em que comemora 10 anos, a Cia. BR116 estreia Medeia, de Consuelo de Castro. O projeto estava programado para ir aos palcos em 2020, quando a pandemia assolou o mundo, interrompendo qualquer possibilidade de criação artística coletiva. Impossibilitados de estarem em um teatro, o cinema surgiu como um caminho a ser trilhado, mas a arte cênica se fez presente como norte para criação. Misturando as duas linguagens, a trupe encena a tragédia escrita por uma das maiores dramaturgas brasileiras do nosso tempo. Em 1997, Consuelo de Castro escreveu sua versão do famoso mito grego, intitulada Memórias do Mar Aberto – Medeia conta a sua história. A narrativa de Consuelo é contundente, visceral, atual e não maniqueísta. Personagens como Jasão, Creonte e Glauce ganham dimensões e conflitos internos. Consuelo salienta também a traição política, além da amorosa, sofrida por Medeia. Deusa, guerreira, amante e mãe, a voz de Medeia se confunde com a da autora.
Em março de 2020, com a chegada da pandemia e o fechamento dos teatros, a classe artística teve que se reinventar e buscar novos formatos. Sobre as dificuldades do processo criativo nesse momento crítico, Bete Coelho, atriz e diretora, comenta: “As perguntas foram maiores que as respostas. Algumas dificuldades sanadas com insanidades e amizades. Soluções cênicas surpreendentes. Problemas econômicos gritando na vida dos envolvidos. A força da necessidade encontrando eco no poder da arte e da história. Nunca vimos tanta generosidade coletiva. E o seu contrário também.” A companhia reduz sua equipe, artistas dobram suas funções para darem conta da transposição do que antes era uma peça de teatro e passa a ser um teatrofilme, como eles preferem intitular. Para Gabriel Fernandes, diretor, o cinema focado na dramaturgia e atores é o mais potente: “Foi uma equação perfeita, gosto de filmar ator e amo a dramaturgia pungente e sofisticada da Consuelo. O ator, mais que o diretor, é quem está mais próximo do autor, expõe suas falas, dá vida, corpo, razão e emoção às personagens. Minha função foi, através da câmera e da edição, criar o terreno para florescer o trabalho dos atores e a história da Consuelo.”
Em meio aos novos desafios, vindos da exitosa montagem de Mãe Coragem, peça que contava com um grande elenco e uma plateia literalmente de ginásio, a Cia. BR116 encontra na tragédia, no teatro, no cinema e nos seus pares o caminho para se reinventar. O elenco de Medeia se deparou com inúmeros obstáculos e a partir deles construíram sua própria partitura de criação. Roberto Audio, ator que interpreta Creonte, vê muitos pontos de ligação entre o processo criativo e a situação que o mundo está passando. “Os estudos, a solidão, a loucura com o tempo, com as notícias, com a tensão, as dúvidas, o medo, tudo isso de fato foi usado como incentivo. A arte proporciona tudo isso. A grandeza dos detalhes e os transbordamentos onde vivenciamos, dividimos e repensamos as nossas relações com outro, com o mundo, seus símbolos, personagens e a história.” Para Flávio Rochaa, que na trama atua como Jasão, o novo formato de criação deu o tom da encenação: “Pela primeira vez eu ensaiei um texto pela internet. O set era mistura de cinema e teatro. Um lugar novo para nós. Foi trabalhar ali, no limiar. Mas sentindo alguma coisa especial acontecer.” A atriz Michele Matalon, que interpreta a Ama na saga, acredita que a arte tem papel fundamental nesse período de crise: “Foi uma experiência extrema no sentido da circunstância que estávamos e seguimos atravessando. Compreender a arte como alimento necessário, apesar das dificuldades que nos cercaram, foi o grande alicerce da nossa trajetória. Uma experiência única de como a arte realmente salva”, comenta a atriz. Como é comum nos processos criativos, a vida se mistura com a obra. Matheus Campos, ator que interpreta Apsirto, revela que ” Atuar em Medeia foi um momento de reencontro como ator. O vírus me fez lembrar como somos frágeis diante de um inimigo invisível e o gênero trágico nos faz lembrar dessa eterna condição humana”. Já Luiza Curvo, que na obra dá vida a Glauce, acredita que se faz importante as alianças para que o trabalho ganhe força, “Bete e Gabriel são a alquimia perfeita entre técnica e criatividade. Fazer a Glauce, nessa obra, foi também me reinventar em possibilidades imagéticas, físicas e sonoras”, completa a atriz. Em Medeia, a trajetória da guerreira de Consuelo de Castro se mistura com a da trupe BR116, sobre essa jornada Bete Coelho diz: “Podemos ver na tela o cansaço, as olheiras que fizemos questão de não esconder. O desmedido. O acaso e o descaso. O suor lembrando que é teatro. Vemos uma trupe de atores se apropriar de uma tragédia que ainda é nossa: o poder infame e corrupto. Vemos uma mulher – com sua capacidade política, transgressora e intuitiva – sendo esmagada. Vemos, afinal, o início e fim de toda tragédia. Ações humanas sob o signo do sofrimento.”
Consuelo de Castro
Uma das maiores escritoras do Brasil, dramaturga, autora, cronista e roteirista, Consuelo de Castro faz parte do seleto grupo de escritores surgidos durante o período da ditadura. Em 1969 escreveu a famosa peça “A Flor da Pele”, texto que recebeu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT) tendo várias montagens pelo país. Outros importantes prêmios também figuram em sua biografia, como Moliére e Governador do Estado de melhor autora por “Caminho de Volta”, montada por Fernando Peixoto em 1974. Venceu o Concurso de Dramaturgia do SNT com “A Cidade Impossível de Pedro Santana”. Seus textos foram montados pelos mais renomados diretores da cena brasileira como Gianni Ratto, Antônio Abujamra, Aimar Labaki e José Renato. Dona de uma escrita feroz, teve textos proibidos pela censura quando era militante do movimento estudantil em 68. Consuelo sempre teve em sua obra a preocupação em mostrar a condição social e política da mulher, suas personagens femininas são sempre fortes e donas de seus destinos, mesmo que esse seja trágico. Sobre seus textos, o crítico Yan Michalski a define: “Representante destacada da brilhante geração de dramaturgos surgida sob a ditadura, Consuelo de Castro é, entre os autores dessa geração, talvez a que possui o corpo de obra mais volumoso e diversificado. Em comum com os outros, ela tem o sentimento de inconformismo e indignação que perpassa tudo que ela escreve. O que a distingue dos outros é a sua excepcionalmente visceral noção de teatralidade, um diálogo notavelmente colorido, que ela cria com uma espantosa espontaneidade, e uma inquietação que a faz partir sempre em busca de novos caminhos”
Ficha Técnica:
MEDEIA, DE CONSUELO DE CASTRO
Texto: Consuelo de Castro
Direção: Gabriel Fernandes e Bete Coelho
Elenco: Bete Coelho, Luiza Curvo, Michele Matalon, Roberto Audio, Flavio Rochaa e Matheus Campos.
Fotografia: Gabriel Fernandes
Consultor de fotografia: Inti Briones
Operadora de luz: Sarah Salgado
Direção de Arte, Cenografia e Figurino: Cássio Brasil
Assistente de Direção: Theo Moraes
Assistente de cenografia e cenotécnico: Murillo Carraro
Câmera: Cacá Bernardes e Gabriel Fernandes
Edição: Gabriel Fernandes
Finalização: Bruna Lessa
Direção Musical: Felipe Antunes
Assistente de Direção Musical: Fábio Sá
Músicos: Fabio Sá, Felipe Antunes, Otavio Carvalho e Sergio Machado.
Música Original: Felipe Antunes e Fábio Sá
Voz na canção final: Tulipa Ruiz
Som direto: Carina Iglecias
Finalização de áudio: Otavio Carvalho
Diretor de Set: Murilo Carraro
Projeções: Ivan Augusto Soares
Assistentes de projeção: Igor Marotti e Kael Studart
Técnico de Iluminação: Alexandre Simão de Paula
Confecção do esqueleto: Walkir Pedroso
Caracterização Creonte: Gabi Moraes
Produtora de figurino: Patrícia Sayuri Sato
Costureiras: Salete Paiva e Keila Santos
Diretor de Comunicação: Mauricio Magalhães
Estratégia Digital: Fabio Polido e Rodrigo Avelar
Programação visual: Celso Longo _ CLDT
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Foto Still: Roberto Audio
Assessoria jurídica: Olivieri Associados
Tradução para o inglês e espanhol: Marcos Renaux
Co-produção: Oficinas Culturais Oswald de Andrade
Direção de Produção: Lindsay Castro Lima e Mariana Mantovani
Realização: Cia BR116
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Produção em Pernambuco:
Câmera e fotografia: Tarsio Oliveira
Atriz: Mikaely Menino
SERVIÇO
Temporada: 7 de fevereiro a 12 de março de quarta a domingo.
Horário: 20h
Onde: Canal da BR116 no YouTube
Classificação: 18 anos
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