Revolução tecnológica e desafios da pandemia marcaram gestão do ministro Noronha na presidência do STJ

​​​​​​​​​​​Investido em 29 de agosto de 2018 no cargo de presidente
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – o qual deixará na próxima quinta-feira
(27) –, o ministro João Otávio de Noronha sabia que, exatamente no momento da
passagem do tribunal pelos seus 30 anos, teria pela frente o desafio de dotá-lo
com a tecnologia e os meios administrativos necessários para fazer dele o
mais eficiente do país
.​

Dois anos depois, esse desafio foi intensificado durante o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), quando o presidente do STJ – ao lado da vice-presidente, ministra Maria Thereza de Assis Moura – precisou aliar inovação tecnológica, gestão de recursos e iniciativas inéditas para manter a alta produtividade da corte.

O resultado, para o STJ, foi a redução do acervo processual em mais de 15%: entre o início da gestão e o dia 3 de agosto deste ano, o tribunal diminuiu de 314.796 para 266.537 o número total de processos em tramitação – quase 50 mil casos a menos.

Os esforços para preservar a tendência de redução do acervo foram mantidos, inclusive, durante a pandemia da Covid-19, período em que a corte já realizou (até o início de agosto) 67 sessões de julgamento por videoconferência – principal solução jurisdicional apresentada pelo STJ na crise sanitária, as sessões foram descritas pelo ministro Noronha como “a melhor experiência recente” do tribunal.

“Nos últimos dois anos, convertemos inovações tecnológicas em ferramentas a serviço de uma melhor prestação jurisdicional, aproveitamos a qualidade das equipes de trabalho para implementar novas iniciativas de gestão e transformamos os desafios de uma grave pandemia em oportunidade para reavaliar velhas práticas e nos adaptar a um novo tempo. Sem dúvida, o STJ sai fortalecido desse momento inédito e reafirma sua posição de vanguarda entre as instituições do Judiciário”, afirmou o ministro João Otávio de Noronha.  

Salto tecnol​​ógico

Embora o ato de julgar não dispense o olhar humano e a análise criteriosa do magistrado, o uso de ferramentas tecnológicas oferece oportunidades ilimitadas em termos de triagem e classificação processual, gestão de precedentes qualificados e até de leitura automática de peças processuais e comparação entre textos para auxiliar na tomada de decisão. O recurso digital alia-se ao elemento humano, permitindo mais celeridade processual e segurança jurídica.

A busca por essa integração levou o ministro Noronha a criar, na estrutura da Presidência, a Assessoria de Inteligência Artificial, dedicada a desenvolver soluções em várias frentes de trabalho no STJ, com atenção especial à gestão do acervo processual.

Um dos principais resultados dessa iniciativa é o Projeto Sócrates, construído com as ferramentas de IA. O Sócrates 1.0 – iniciado em maio de 2019 e já em operação em 21 gabinetes de ministros – faz a análise semântica das peças processuais com o objetivo de facilitar a triagem de processos, identificando casos com matérias semelhantes e pesquisando julgamentos do tribunal que possam servir como precedente para o processo em exame.

O novo ​​Sócrates

Posteriormente, em resposta a um dos principais desafios dos gabinetes – a identificação antecipada das controvérsias jurídicas do recurso especial –, o Núcleo de Admissibilidade e Recursos Repetitivos, em conjunto com a equipe de IA do tribunal, projetou uma nova solução tecnológica.

Nasceu, assim, o Sócrates 2.0, ferramenta capaz de apontar, de forma automática, o permissivo constitucional invocado para a interposição do recurso, os dispositivos de lei descritos como violados ou objeto de divergência jurisprudencial e os paradigmas citados para justificar a divergência.

Além disso, o Sócrates 2.0 identifica as palavras mais relevantes no recurso especial e no agravo em recurso especial e as apresenta ao usuário na forma de “nuvem de palavras”, permitindo a rápida identificação do conteúdo do recurso. A ferramenta também sugere as controvérsias jurídicas potencialmente presentes no recurso, identificando quais delas correspondem a controvérsias afetadas pelo STJ ao rito dos recursos repetitivos.

Validadas essas informações pelo usuário, a ferramenta oferece a indicação dos itens potencialmente inadmissíveis, o que permitirá a confecção da minuta do relatório.

Dentro da lógica de IA, o Sócrates 2.0 também permitirá que o usuário visualize a petição do recurso especial com a identificação dos elementos marcados pela ferramenta e proponha correções, permitindo a retroalimentação e o aperfeiçoamento contínuo do sistema. O Sócrates 2.0 é um protótipo funcional, e o próximo passo é integrá-lo ao Sistema Justiça, desenvolvido pela Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do tribunal.

IA e os pre​​cedentes

Como forma de intensificar a formação de precedentes qualificados, o STJ desenvolveu, a partir de junho de 2019, o Sistema Athos. Baseado também em um modelo de IA, o sistema tem o objetivo de identificar – mesmo antes da distribuição aos ministros – processos que possam ser submetidos à afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.

Além disso, o Athos monitora e aponta processos com entendimentos convergentes ou divergentes entre os órgãos fracionários da corte, casos com matéria de notória relevância e, ainda, possíveis distinções ou superações de precedentes qualificados.   

No âmbito do STJ, o Sistema Athos possibilitou, por exemplo, a identificação de 51 controvérsias – conjuntos de processos com sugestão de afetação ao rito dos repetitivos – e a efetiva afetação de 13 temas.

O sucesso do Sistema Athos levou o STJ a se articular com os tribunais de segunda instância para que também eles pudessem utilizar esses recursos tecnológicos na gestão de precedentes. Assim, foi idealizado o Athos Tribunais, projeto que visa apoiar as 32 cortes sob a jurisdição do STJ e a Turma Nacional de Uniformização na formação de precedentes e, adicionalmente, incentivar o envio ao STJ de recursos representativos de controvérsia, a fim de que sejam julgados sob o rito processual dos repetitivos.

O Athos Tribunais está atualmente em desenvolvimento e deverá compor o Módulo de Jurisdição Extraordinária, iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) que busca auxiliar os tribunais na análise de admissibilidade dos recursos especiais e recursos extraordinários. Inserido em uma visão de integração entre STF e STJ, o projeto busca agregar uma série de iniciativas, de modo a maximizar os resultados com uma significativa redução de custos.

Ainda no âmbito das aplicações em IA, o STJ desenvolveu o e-Juris, ferramenta utilizada pela Secretaria de Jurisprudência na extração das referências legislativas e jurisprudenciais do acórdão, além da indicação dos acórdãos principal e sucessivos sobre um mesmo tema jurídico.  

Adicionalmente, em maio deste ano, o tribunal começou a utilizar uma ferramenta capaz de identificar, no momento da triagem dos processos que chegam à corte, os casos que estão relacionados a temas anteriormente submetidos ao rito dos recursos especiais repetitivos.

Por meio desse sistema, evita-se que sejam encaminhados para a análise dos ministros processos que, de acordo com o Código de Processo Civil de 2015, deveriam estar suspensos em segunda instância até a decisão final do STJ – no caso de repetitivos ainda não julgados – ou que deveriam ser rejulgados no tribunal de origem para eventual aplicação do entendimento do STJ – nas situações em que a corte superior já tenha firmado a tese. 

“Com o desenvolvimento de tecnologias que melhoram a triagem processual, buscamos racionalizar o imenso fluxo de processos que aportam diariamente na nossa corte, reduzir o volume de trabalho nos gabinetes dos ministros e elevar a qualidade das decisões, observando sempre os entendimentos definidos em matéria repetitiva. Além disso, queremos fortalecer a parceria entre o STJ e os tribunais de origem para dar mais efetividade ao instituto dos recursos especiais repetitivos”, afirmou o ministro Noronha.

Atenção aos rep​etitivos

Ao lado do desenvolvimento tecnológico, a atenção ao sistema de precedentes representou uma das principais prioridades da gestão. Para isso, o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes do tribunal recebeu recursos humanos e melhorias estruturais para aprimorar e ampliar as ferramentas de controle de processos relacionados a recursos repetitivos, incidentes de assunção de competência e, desde dezembro do ano passado, pedidos de uniformização de interpretação de lei (PUIL).​​​​​

Noronha e a vice, Maria Thereza de Assis Moura, na cerimônia de posse: tecnologia e fortalecimento dos precedentes entre as prioridades da gestão iniciada em agosto de 2018.​​ | Foto: Emerson Leal / STJ

Apenas entre agosto de 2018 e agosto deste ano, o STJ já julgou 44 casos na sistemática da formação de precedentes qualificados, permitindo, dessa forma, a replicação da tese jurídica firmada em milhares de processos em todo o Brasil. Além disso, até junho, foram criados 66 temas de recursos repetitivos, dois de incidentes de assunção de competência e um de suspensão de incidente de resolução de demandas repetitivas (SIRDR).

O tribunal tem adotado como regra a afetação eletrônica de processos, procedimento realizado durante as sessões virtuais de julgamento. Com essa dinâmica, a submissão de casos ao rito de precedente qualificado torna-se mais ágil sem impedir, contudo, a análise criteriosa dos ministros sobre os temas.

Durante os últimos dois anos, foram realizadas 69 afetações por meio dos plenários virtuais dos colegiados.

Na perspectiva da construção de um sistema ampliado de gerenciamento de demandas repetitivas, também tem destaque o papel da Comissão Gestora de Precedentes, formada por um ministro de cada seção do tribunal e, atualmente, presidida pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Entre as atribuições da comissão, está exatamente a intensificação do relacionamento do STJ com os tribunais de origem, com o objetivo de melhorar o controle da aplicação dos precedentes e, consequentemente, diminuir o volume de recursos e o tempo de tramitação processual.

Desde agosto de 2018, dando continuidade aos trabalhos de interlocução entre as cortes, a comissão já realizou encontros com seis Tribunais de Justiça e três Tribunais Regionais Federais, com a celebração de seis novos termos de cooperação técnica para o aprimoramento da gestão de precedentes.

Informações detalhadas sobre o sistema de precedentes e os julgamentos já realizados ou previstos estão disponíveis na página de repetitivos do tribunal.

Batalha contr​​​a a Covid

Mesmo antes do primeiro caso oficial do novo coronavírus no Brasil – confirmado pelo Ministério da Saúde no dia 26 de fevereiro –, o STJ já implantava internamente medidas de prevenção e conscientização com o objetivo de proteger a vida e a saúde de todas as pessoas ligadas direta ou indiretamente ao tribunal.  

Entretanto, o Brasil e o mundo assistiram a um crescimento exponencial do número de casos de contágio e de mortes, até que, no dia 11 de março, a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia da Covid-19. Logo em seguida, em 13 de março, o tribunal editou a primeira resolução com medidas temporárias de prevenção, que já estabelecia um protocolo de reforço de limpeza dos espaços físicos e de atenção e monitoramento de eventuais casos suspeitos.

No dia 19 de março, o STJ intensificou as medidas de prevenção e, por meio da Resolução 5/2020, decidiu cancelar as sessões presenciais e estabeleceu como regra o regime de trabalho remoto, mantendo o expediente na sede da corte apenas nos casos considerados indispensáveis.

“A prestação jurisdicional não será paralisada, mas temos de restringir os serviços aos essenciais em nome de uma obrigação maior: a preservação da saúde dos nossos servidores, colaboradores, ministros, estagiários e do público em geral. Temos que nos proteger uns aos outros, e a forma mais indicada é colocando o maior número de pessoas em isolamento em suas casas”, afirmou à época o ministro Noronha.

De fato, apesar da reorganização das rotinas de trabalho e da priorização do distanciamento social, o STJ manteve as atividades jurisdicionais – fundamentais, inclusive, para que o Judiciário pudesse dar respostas às questões jurídicas fomentadas pela pandemia nas mais diversas áreas.

Além das decisões monocráticas dos processos, as iniciativas tecnológicas implantadas pelo tribunal mais recentemente permitiram a manutenção das sessões virtuais para a análise de recursos internos; na sequência, em abril, o STJ autorizou a realização das sessões de julgamento por videoconferência, em substituição às reuniões presenciais dos colegiados.

Assim, empenhado em garantir a prestação jurisdicional sem se descuidar da proteção à saúde, a corte ultrapassou no primeiro semestre a marca de 250 mil decisões, reduzindo em 12% seu acervo de processos.

Desde abril, o tribunal mantém uma página na internet com informações sobre as medidas adotadas para manter a prestação jurisdicional e outros serviços essenciais, os atos administrativos e as notícias sobre decisões judiciais relacionadas à crise sanitária.

Parcerias institu​​​cionais

O STJ busca continuamente o desenvolvimento de parcerias que permitam, a um só tempo, a melhoria de suas atividades jurisdicionais e a propagação de boas práticas em outros órgãos – justificando a sua missão como Tribunal da Cidadania.

Até agosto do ano passado, a corte já havia firmado mais de dez instrumentos de cooperação, entre eles um acordo de intercâmbio de informações e de cooperação científica, acadêmica e cultural com o Banco do Brasil; um protocolo de intenções com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) para a troca de conhecimentos e serviços de educação continuada e a distância, além de um acordo com a Corte de Cassação da França para promover a aproximação da jurisprudência e permitir a construção de uma agenda de cooperação jurídica entre os dois tribunais.​​​​​​

Bertrand Louvel, primeiro presidente da Corte de Cassação da França, e João Otávio de Noronha na assinatura do acordo de cooperação entre os tribunais, em Paris, em abril de 2019.​ | Foto: Corte de Cassação

Em junho de 2019, o STJ e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) firmaram acordo com o objetivo de reduzir o número de recursos em processos de execução fiscal. Com a parceria – de impacto estimado em milhares de processos –, o STJ busca a diminuição de seu acervo processual, enquanto a PGFN espera otimizar os processos de execução para dar mais eficiência à gestão pública.

Em maio deste ano, o tribunal firmou com a Defensoria Pública da União instrumento de cooperação para implementar um canal direto de comunicação entre os dois órgãos, com o objetivo de proporcionar assistência judiciária e orientação jurídica de forma integral e gratuita.

Com a criação desse mecanismo de comunicação entre os dois órgãos, o STJ pode, por exemplo, repassar as correspondências recebidas no protocolo judicial relativas aos cidadãos presos que estão em busca de revisão de processos, benefícios penais ou providências correlatas diretamente à DPU – instituição que possui legitimação constitucional para tutelar os direitos envolvidos.

No campo de interlocução entre o Executivo e o Judiciário, o STJ é uma das instituições que participam do acordo de cooperação firmado com o objetivo de disponibilizar o acesso à jurisprudência por meio do Portal da Legislação da Presidência da República. Também participam da cooperação o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.

“A transparência normativa é que assegura um verdadeiro sistema democrático. Por isso, é fundamental o projeto de cooperação, porque, a partir de agora, não acessaremos mais o Portal da Legislação para conhecer apenas o texto legal, mas para entender de que forma os tribunais estão aplicando as normas”, resumiu o ministro Noronha ao assinar o acordo.

Mais recentemente, em junho, o STJ assinou dois instrumentos de cooperação com a Advocacia-Geral da União (AGU): o primeiro deles tem por objetivo a racionalização da tramitação dos processos relacionados às entidades e órgãos representados pela AGU, reduzindo o número de processos e tornando mais eficiente sua atuação em demandas de massa ou de grande relevância social; já o segundo ac​ordo permitirá a integração dos sistemas processuais das duas instituições, com a automação de fluxos de trabalho e a diminuição do tempo de tramitação de processos no STJ.

Nova r​​evista

Em mais uma iniciativa voltada para a reflexão de alto nível sobre temas jurídicos relevantes e atuais, com a consequente construção de pontes com a comunidade científica e acadêmica, o STJ lançou, em 19 de agosto, a Revista de Estudos Jurídicos do Superior Tribunal de Justiça (REJuri), periódico que reúne artigos científicos inéditos, resultado de pesquisas e estudos independentes em todas as áreas do direito.

A publicação, administrada pelo Gabinete do Ministro Diretor da Revista, tem como objetivo principal fomentar a produção acadêmica e fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação brasileira.

Com um conselho editorial integrado por especialistas de diversas áreas do direito, a REJuri terá periodicidade semestral e divulgação preferencial em meio eletrônico. Compõem o público-alvo da revista magistrados, advogados, promotores, procuradores, defensores públicos, professores, pesquisadores e estudantes.

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