A repercussão da chacina no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortes durante uma megaoperação policial, continua a gerar indignação em diversos setores da sociedade. Desta vez, o alerta veio da própria Igreja Católica.
O arcebispo de Cachoeiro de Itapemirim, Dom Luiz Fernando Lisboa, publicou um artigo contundente no site da CNBB condenando a celebração da violência e o que chamou de “fé adoecida” diante da banalização da morte.
“Quando o sangue é aplaudido, o Evangelho se cala”
No texto, Dom Luiz afirma que “quando a sociedade celebra o sangue derramado, o Evangelho se cala — e com ele morre um pouco da nossa humanidade”. O arcebispo aponta que a reação de parte da população à operação no Complexo da Penha e do Alemão revela um grave adoecimento espiritual. “A fé que aplaude a morte é uma fé deformada”, diz o religioso.
Segundo ele, a Igreja Católica sempre ensinou, desde os primeiros séculos, que a vida é dom de Deus e que ninguém tem o direito de destruí-la. “Cada pessoa — inclusive quem errou, quem caiu, quem se perdeu — é imagem e semelhança de Deus. Toda morte é uma perda para a humanidade, não uma vitória”, escreveu.
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O texto também cita o Papa Francisco, lembrando que “nenhuma paz é duradoura quando se constrói sobre o sangue dos irmãos”. Para o arcebispo, “justiça sem misericórdia se transforma em vingança”, uma crítica direta ao discurso que naturaliza ações policiais letais e políticas de segurança baseadas em extermínio.
“Defender a vida não é proteger o crime”
Em tom firme e pastoral, Dom Luiz Lisboa defende que “defender a vida não é proteger o crime, mas reafirmar que o mal se vence com o bem”. Ele propõe políticas públicas que unam segurança, educação, escuta e cuidado, e condena a lógica social que transforma tragédias em espetáculo.
“Evangelizar hoje significa mudar a mentalidade que faz da violência um show e do sofrimento uma torcida”, escreveu. Para o religioso, a verdadeira revolução cristã é a prevenção: investir em educação, saúde e segurança antes que o mal aconteça.
“A prevenção é a nova revolução cristã: cuidar antes que o mal aconteça, estender a mão antes que o outro caia”, destacou.
O artigo ecoa um posicionamento cada vez mais presente entre religiosos e movimentos de direitos humanos, que exigem o fim das chacinas policiais e cobram responsabilidade do Estado por políticas de segurança baseadas na preservação da vida.
A fé diante da violência e da indiferença
Dom Luiz encerra o artigo com um apelo à coerência e à ternura: “Ser cristão é acreditar que a vida tem sempre a última palavra. Diante da violência e do ódio, somos chamados a trocar a vingança pela compaixão”.
Citando novamente o Papa Francisco, o arcebispo conclui: “Quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você mesmo.”
A manifestação do religioso ocorre em meio ao debate sobre o papel das instituições religiosas e civis na construção de uma cultura de paz. Enquanto parte da opinião pública aplaude ações violentas, vozes como a de Dom Luiz Fernando Lisboa reforçam a necessidade de reconstruir valores de empatia, solidariedade e compaixão — fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.
Para o Diário Carioca, a fala do arcebispo é um chamado urgente à reflexão sobre o preço humano e moral das operações policiais letais e o risco de uma nação que se acostuma a contar corpos em vez de salvar vidas.




