Rio de Janeiro – A Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo de trabalho da empregada doméstica mantida em situação análoga à escravidão por mais de 70 anos. Os empregadores, mãe e filho, terão que pagar à vítima uma indenização por danos morais individuais no valor de R$ 600 mil, além das verbas trabalhistas de todo o período trabalhado.
O resgate, ocorrido em 2022, evidenciou o caso mais longo de pessoa encontrada em situação de escravidão contemporânea já registrado no Brasil, desde o início do registro histórico em 1995.
A diligência foi realizada pelo Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ), em conjunto com a Superintendência Regional do Trabalho do Rio de Janeiro e o apoio da equipe de assistência do Projeto Ação Integrada.
A idosa, à época com 85 anos, trabalhou desde os 12 anos em situação de exploração, por três gerações da mesma família, sem que qualquer direito fosse concedido. A investigação apurou que o empregador detinha os documentos pessoais da trabalhadora e realizava os saques de sua aposentadoria.
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Na sentença, o juiz do Trabalho Leonardo Campos Mutti, da 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, reconheceu o trabalho em condições análogas à de escravo no âmbito doméstico, conforme as condutas tipificadas no art. 149 do Código Penal e destacou que a vítima “trabalhou ao longo de praticamente toda a sua vida com dedicação exclusiva e integral aos réus, em prejuízo de sua própria vida e de seu pleno desenvolvimento como pessoa, sem receber salário ou qualquer outro direito trabalhista, sem liberdade, submetida a condições degradantes de trabalho e a todo tipo de restrição, sendo privada até mesmo de ter a plena consciência de que era vítima de grave ilicitude praticada pelos réus”.
A decisão, decorrente de ação civil pública (ACP) ajuizada pelo MPT-RJ, determinou o pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas de janeiro de 1967 até maio de 2022, período em que a vítima trabalhou para os réus. Também estabeleceu o pagamento de R$ 300 mil por dano moral coletivo.
Para a procuradora do trabalho responsável pelo processo judicial, Juliane Mombelli, esse caso representa um paradigma importante para o combate ao trabalho escravo em âmbito doméstico no país. “O reconhecimento da relação de trabalho em condições análogas à escravidão de pessoa que foi forçada a prestar serviços desde a infância, acolhendo as provas produzidas no Inquérito Civil do MPT, demonstra um amadurecimento do judiciário brasileiro no enfrentamento de situações de grave violação aos direitos humanos”.