Entrevista

Museu Nacional: Após 'calote' de R$ 20 Milhões da Alerj, instituição precisa de R$ 15 Milhões nos próximos meses

Diretor fala sobre desafios da reconstrução e busca por recursos. Museu tem previsão de reabertura para 2026

Diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner - Foto: André Silva
Diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner - Foto: André Silva

Na noite de 2 de setembro de 2018, o Brasil assistiu atônito enquanto um incêndio devastador consumia o Museu Nacional, localizado em São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro.

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O fogo cruel e voraz devorou 85% dos 20 milhões de preciosos itens que compunham o acervo, deixando a área expositiva completamente arrasada. Foi uma tragédia cultural de proporções inimagináveis.

Incêndio no Museu Nacional – Vitor Abdala/ Arquivo Agência Brasil
Incêndio no Museu Nacional – Vitor Abdala/ Arquivo Agência Brasil

Desde então, mais de cinco anos se passaram. As chamas se extinguiram, mas o desafio da reconstrução permaneceu. A dedicação incansável de centenas de profissionais tornou possível a visão de um renascimento: o Museu Nacional está programado para reabrir suas portas em 2026.

Diretor Alexander Kellner - Foto: André Silva
Diretor Alexander Kellner – Foto: André Silva

Em uma entrevista exclusiva para o Diário Carioca, o diretor Alexander Kellner conta que, no dia 5 de junho, véspera do aniversário de 206 anos do museu, está agendada uma audiência pública em Brasília, às 15h30, no âmbito da Comissão de Cultura. Nessa ocasião, serão apresentados detalhadamente os avanços alcançados, bem como os desafios enfrentados pela instituição. O primeiro deles é o financeiro, para o qual se buscam soluções urgentes. Com a necessidade de recursos para garantir o progresso contínuo das obras, destaca-se a busca por captar R$ 90 milhões, montante que até o momento não foi integralmente alcançado (as obras devem custar até R$ 445 milhões, e 40% desse valor ainda precisa ser captado). Além disso, é imprescindível obter um valor substancial de R$ 15 milhões entre junho e julho deste ano para manter o cronograma estabelecido. “E se não conseguirmos captar, não entregamos o museu”, afirma Kellner.

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Outro desafio relevante é o trabalho em andamento para o enriquecimento do novo acervo do museu. Atualmente, estão em diálogo com instituições como a França, além de terem recebido recentemente uma significativa doação de um particular da Alemanha. Essas parcerias e contribuições são fundamentais para a construção de um acervo diversificado e enriquecedor para os visitantes do museu.

Diretor Alexander Kellner - Foto: André Silva
Diretor Alexander Kellner – Foto: André Silva

O diretor também destacou a importância de reconquistar a confiança internacional e enfatizou a necessidade de manutenção contínua para preservar o que resta do acervo. Ele compartilhou planos para novas parcerias e doações, buscando fortalecer o museu e restaurar seu papel como um dos principais centros de pesquisa e educação do país. “Ficou feio para o Brasil internacionalmente, mas é fundamental que todos entendam que não se trata agora de ficar estendendo a mão (como se estivesse pedindo esmola). Não é isso!”, falou Alexander. “Nós temos que merecer esse acervo, temos que reconquistar a confiança internacional”, completou.

Interior do Museu Nacional - Foto: André Silva
Interior do Museu Nacional – Foto: André Silva

Projeto Museu Nacional Vive

Kellner destacou avanços recentes, incluindo a visita do presidente Lula e o entusiasmo demonstrado com o projeto de reconstrução. O diretor ressaltou a importância do projeto “Museu Nacional Vive”, uma parceria entre a UFRJ, o Instituto Cultural Vale e a UNESCO, que tem sido fundamental para impulsionar a reconstrução.

Com a mudança de governo, o presidente Lula visitou o museu em março de 2023 e demonstrou entusiasmo com os avanços observados. Apesar dos desafios enfrentados, o progresso das obras foi notável, sendo o projeto do museu uma das prioridades do Ministério da Educação.

“Nós tentamos muito fazer os contatos e nós não conseguimos naquela época. Nesse governo agora, as coisas mudaram”, conta Kellner.

Interior do Museu Nacional - Foto: André Silva
Interior do Museu Nacional – Foto: André Silva

Nesse contexto, houve uma solicitação para antecipar a abertura do museu para o primeiro semestre de 2026. Embora o museu também desejasse isso, a data originalmente planejada era 2028. Foi necessário reestruturar a ideia original graças à iniciativa do projeto “Museu Nacional Vive”. Essa união foi fundamental, pois o projeto enfrentava desafios complexos que a UFRJ e o Museu Nacional sozinhos não poderiam superar. O projeto não só reestruturou o plano, mas também conseguiu aprovar um projeto substancial na Lei Rouanet, algo que não havia sido alcançado no governo anterior.

Calote Estadual

Durante a conversa, o diretor Alexander Kellner relembrou um cenário desafiador. Até o momento, a promessa de R$ 20 milhões feita pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2019 nunca se concretizou. Lembrando que o Museu Nacional enfrenta agora uma urgência de recursos, necessitando de R$ 15 milhões para os próximos meses de junho e julho.

“Nós estamos muito incomodados porque a ALERJ participa do logo do museu, prometeu e não pagou”, revelou. “Foi prometido em 2019. Tudo bem que foi em outra gestão, mas não podemos pensar nisso como uma coisa pequena. Espero que agora eles nos recebam ou então digam que não vão pagar”, completa Alexander.

Vale ressaltar que, em 2019, conforme afirmado pela Assembleia Legislativa, a instituição expressou o desejo de receber a doação através da Associação dos Amigos do Museu Nacional, o que foi considerado inviável. Segundo a Alerj, o repasse legal deve ser feito diretamente ao órgão público responsável pelo prédio histórico, neste caso, a UFRJ. No entanto, o museu esclareceu que a transferência para a associação foi uma solução acordada entre as partes. De acordo com a instituição, a Alerj não pôde efetuar o repasse para a UFRJ naquele ano devido ao teto de gastos. Com a suspensão do teto de gastos, o museu informou que se dispõe a receber hoje por meio da universidade. O que não foi feito.

O diretor também enfatizou a importância do apoio da Prefeitura do Rio, destacando que é uma honra para qualquer cidade abrigar um museu nacional e pede por uma maior participação da prefeitura no processo de reconstrução.

“O prefeito Eduardo Paes esteve aqui com o presidente Lula e disse que não tem dinheiro. Ele deixou bem claro. Mas temos que ver como ele pode nos ajudar, porque precisamos de dinheiro”, disse Kellner.

Acervo e Doações

O diretor enfatizou a importância das doações e empréstimos para enriquecer o acervo do museu. Ele expressou gratidão pelas contribuições recebidas até o momento e enfatizou a necessidade de continuar buscando apoio, tanto nacional quanto internacional.

“Prédio a gente reconstrói, acervo não! É muito difícil conseguir acervo”, afirma Alexander. “E temos que deixar claro que perdemos acervos de outras culturas: do Egito, Portugal, Alemanha, da Áustria. Estava com a gente, mas não soubemos cuidar”, completa.

Fósseis Doados - Foto Diogo Vasconcellos
Fósseis Doados – Foto Diogo Vasconcellos

A equipe do museu tem tentado, junto com o Egito, obter um empréstimo de artefatos, embora o sucesso dessa iniciativa ainda seja incerto. Outro tipo de perda significativa é o material etnográfico. O museu possuía artefatos que talvez fossem as únicas evidências da existência de certas etnias e populações que não existem mais. “É importante que as pessoas compreendam que não há compensação para essa perda, que não deveria ter ocorrido. Entender essa perda é essencial para aprender com ela”, ressalta Alexander.

Encontrar instituições tem sido difícil, mas este ano o foco está direcionado para isso. O diretor questiona para todas as instituições, tanto nacionais quanto internacionais: “O que vale mais a pena: a sua peça ficar dentro de uma gaveta pelos próximos anos ou em exposição no maior museu de história natural da América do Sul?”.

O diretor foi franco ao afirmar que “repatriação” não faz parte do seu vocabulário, pois se tudo de valor que está em outros países estivesse aqui, teria sido destruído no incêndio. O foco é em doações. Sua estratégia e política são claras: “não se fala de repatriação, mas há um grande interesse em receber peças e materiais para exposição, especialmente aqueles originários do Brasil. No entanto, se alguém quiser devolver alguma coisa, quero ser o primeiro da fila”.

Por outro lado, existem pequenas alegrias: a recuperação da Luzia é um destaque significativo. Luzia é uma figura de grande importância para a pesquisa brasileira. Com a reabertura do museu, Luzia terá sua própria sala.

População Participativa

De acordo com Alexander Kellner, a população pode contribuir de várias maneiras com a reconstrução e manutenção do Museu Nacional. A instituição tem recebido doações significativas, com mais de 7 mil exemplares já doados, incluindo animais empalhados e peças antigas, dos quais cerca de 2 a 3 mil serão integrados à exposição. Aqueles que desejarem podem contribuir com doações de materiais ou apoio financeiro, que ajudam a cobrir pequenos serviços e despesas que nem sempre podem ser atendidos com a quantia destinada exclusivamente às obras.

Além disso, a divulgação do trabalho realizado pelo museu é fundamental. A população pode compartilhar informações sobre as atividades e avanços do museu. A instituição também está aberta a sugestões e críticas construtivas, buscando despertar um sentimento de pertencimento e valorização, prevenindo futuras tragédias.

“O Museu Nacional tem total consciência de que precisa da sociedade para a sua reconstrução, mas também acreditamos que a sociedade precisa do seu Museu Nacional de volta”, reforça o diretor.

O principal legado que o museu deseja deixar é a possibilidade de diálogo com a sociedade. Durante a conversa, o diretor revelou em primeira mão ao Diário Carioca o título provisório da primeira exposição, intitulada “A Casa”. Esta exposição apresentará diferentes modelos e conceitos de casa, fazendo um paralelo entre os humanos e os animais. A ideia é mostrar como esses conceitos variam no mundo cultural e na fauna, de maneira a enriquecer a compreensão sobre o tema.

“O Museu Nacional está retornando para a sua casa, que é o palácio, e essa casa pertence a todos”, finalizou.