Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, terá caráter de marco fundamental da história negra

Medida integra pacote de ações pela igualdade racial do Governo Federal. Região foi principal ponto de desembarque e comércio de centenas de milhares de negros escravizados

Um local que reúne um misto de reflexão, preservação da memória e que guarda as marcas de um tempo de intenso sofrimento. Um dos itens do pacote de medidas pela igualdade racial anunciado pelo Governo Federal nesta semana é o decreto que institui o Grupo de Trabalho Interministerial do Cais do Valongo. A iniciativa tem o objetivo de propor políticas para preservar a história do local, que fica no Rio de Janeiro e foi o principal ponto de desembarque e comércio de negros escravizados nas Américas.

A secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio define a iniciativa inédita como um marco para a história negra. “É a primeira vez que existe um esforço articulado do Governo Federal em diversas frentes, em parceria com a sociedade civil e as pessoas que estiveram todos esses anos à frente das discussões sobre a região do Cais do Valongo, inclusive sendo responsáveis pelo reconhecimento deste espaço enquanto Patrimônio da Humanidade. Para nós, é fundamental este Grupo de Trabalho. Vai ajudar a que este importante espaço histórico seja reconhecido como marco fundamental para a história negra no Brasil e nas Américas”, pontuou.
 

A coordenação do GT é realizada de forma conjunta pelos ministérios da Igualdade Racial e da Cultura. O grupo conta ainda com representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Fundação Palmares, do Instituto Brasileiro de Museus e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
 

“Reconstruir este país e criar políticas públicas cada vez mais inclusivas é uma tarefa coletiva. O movimento negro, grande ator da luta pela democracia, precisa ser tratado como protagonista da sua própria história”, disse o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso no Palácio do Planalto.
 

COMITÊ GESTOR — Além da formalização do Grupo de Trabalho, outra novidade em relação ao Cais do Valongo anunciada nesta semana é a formalização, pelo Iphan, de um Comitê Gestor do Sítio Arqueológico, bem cultural reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco. Entre os objetivos essenciais do comitê estão estabelecer diretrizes para a execução das ações propostas no plano de gestão e monitorar as ações governamentais necessárias à preservação. “Nosso objetivo primordial é a proteção do Sítio, tornando-o um espaço de memória e referência histórica”, afirmou o presidente do Iphan, Leandro Grass.
 

MEMÓRIA E SOFRIMENTO – O Cais do Valongo (RJ) foi construído em 1811 e se consolidou como o principal ponto de comercialização de pessoas negras escravizadas nas Américas. Funcionou até 1831, quando foi proibido o tráfico transatlântico de africanos. A norma – solenemente ignorada num primeiro instante- recebeu a denominação irônica de “lei para inglês ver”.
 

Da construção à proibição do tráfico, no local desembarcaram entre 500 mil e um milhão de escravos de diversas nações africanas. O monumento integra o circuito conhecido como Pequena África, onde se encontram edificações que testemunharam a história afro-brasileira.
 

Em 2017, a Unesco incluiu o Cais do Valongo na lista de Patrimônio Cultural Mundial, como sítio de memória sensível. Outros bens reconhecidos nesta categoria são o Campo de Concentração de Auschwitz, na Alemanha, e a cidade de Hiroshima, no Japão. Em comum a todos, o fato de serem locais de memória e que representam grande sofrimento para a humanidade.
 

IGUALDADE RACIAL – Na última terça (21/3), o presidente Lula anunciou um pacote de medidas pela igualdade racial no Brasil. Foram seis decretos que convergem para fortalecer ações de inclusão e combate ao racismo em diferentes frentes.
 

Um deles cria a reserva de vagas para negros na administração pública federal e estabelece a data de 31 de dezembro de 2025 como prazo para que a Administração Pública alcance os percentuais. Outro decreto assinado pelo presidente cria o Aquilomba Brasil, conjunto de medidas intersetoriais voltadas para a promoção de direitos da população quilombola.
 

Os demais decretos assinados criam grupos de trabalho. Um para discutir o novo Programa Nacional de Ações Afirmativas do Governo Federal, outro para debater o Plano Juventude Negra Viva, o GT do Cais do Valongo e o último cria um grupo que vai para definir medidas de enfrentamento ao racismo religioso.