As mil faces da ansiedade, transtorno cada vez mais epidêmico que já virou questão de saúde pública

11 de abril de 2025
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As mil faces da ansiedade, transtorno cada vez mais epidêmico que já virou questão de saúde pública
As mil faces da ansiedade, transtorno cada vez mais epidêmico que já virou questão de saúde pública

Marcelo Queiroz Hoexter, Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)

O The Conversation Brasil publica regularmente artigos em parceria com a revista FCW Cultura Científica, da Fundação Conrado Wessel, instituição de fomento à divulgação científica brasileira e uma de nossas apoiadoras. A primeira série de artigos, inciada em março, trata da ansiedade, um dos temas de saúde pública mais preocupantes da atualidade, e que por isso mesmo tem sido objeto de numerosos estudos. Neste texto, o pesquisador Marcelo Queiroz Hoexter explica que a ansiedade é um fenômeno natural e humano, mas explica a diferença entre ansiedade fisiológica e a patológica, que pode causar muito sofrimento, e cita os recursos hoje existentes para manejá-la.


Nos animais, o medo é uma reação inata do organismo para se proteger em situações de perigo e continuar existindo. O rato, por exemplo, na presença de um perigo, como um gato, reage com medo diante da ameaça e, para sobreviver, precisa reagir — seja lutando ou fugindo. A frequência cardíaca aumenta, o sangue é bombeado para músculos e cérebro, a respiração acelera, há taquicardia, alterações pupilares e liberação de hormônios como cortisol e adrenalina — reações típicas da resposta ao medo. Essa resposta tem início agudo diante do objeto temido e se dissipa tão logo ele desaparece.

Os humanos, por sua vez, muitas vezes apresentam uma hiper-reatividade autonômica mesmo sem a presença de uma ameaça real. Em outros casos, a ameaça existiu, mas, mesmo após desaparecer, a resposta persiste. Por exemplo, alguém que passou por uma situação perigosa continua reagindo, um mês depois, como se o perigo ainda estivesse presente. Embora a ameaça tenha passado, o corpo segue em estado de alerta. É o estado de ansiedade, um fenômeno inerente à condição humana.

Seguramente, sentir certo nível de ansiedade é fundamental. Quem não fica ansioso antes de um compromisso ou tarefa importante? É necessário que o coração bata mais rápido, levando mais oxigênio e sangue ao cérebro e aos músculos. Também é essencial que aumentem o nível cognitivo e a atenção. Mas assim que o compromisso ou estímulo terminam, a ansiedade deve diminuir, permitindo que a pessoa siga com sua vida.

O problema é que, para alguns, essa dissipação não ocorre. A fronteira entre ansiedade fisiológica e patológica se estabelece quando esta vivência passa a causar sofrimento ou prejuízo no funcionamento diário. Pode afetar relações interpessoais, dificultando o convívio social e a formação de vínculos afetivos e comprometer o desempenho profissional, impedindo o uso da capacidade cognitiva exigida para certas funções. Nesses casos, a ansiedade causa sofrimento e prejuízos funcionais significativos — e, geralmente, requer ajuda especializada. Portanto, não deve evoluir sem cuidado especializado.

Ansiedade também pode ser um sinal da presença de outros transtornos. Em um sentido mais amplo, é um sintoma — como uma febre. Diversos quadros psiquiátricos podem incluí-la entre suas manifestações, como o transtorno depressivo, o transtorno afetivo bipolar, a esquizofrenia e o abuso de substâncias. Todos podem apresentar ansiedade em sua constelação de sintomas.

Formas agudas e crônicas

Existem os transtornos de ansiedade propriamente ditos. O transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, caracteriza-se por um nível de ansiedade acima do esperado, em que a pessoa se mantém cronicamente ansiosa, muitas vezes com preocupações que reconhece como excessivas. Isso gera sintomas autonômicos, como taquicardia, respiração ofegante e sudorese, além de dificuldades para dormir — seja para adormecer, seja para voltar a dormir após despertar. Também pode haver irritabilidade e desconcentração.

Quando a ansiedade é aguda e intensa, temos o transtorno do pânico: uma descarga súbita de adrenalina, sem causa aparente, acompanhada de sintomas físicos extremos e a sensação de perda de controle — muitas vezes confundida com uma emergência médica.

Existem outros tipos de transtornos de ansiedade, como as fobias — medos específicos que se manifestam de diversas formas. Entre elas, destaca-se a fobia social (ou transtorno de ansiedade social), em que a pessoa, ao se expor socialmente, apresenta intensa ansiedade, temendo ser julgada. A reação mais comum é a evitação: ao perceber que certas situações geram ansiedade, a pessoa tenta evitá-las, cancelando ou fugindo de compromissos. Além da fobia social, há fobias específicas, como medo de altura, de avião ou de lugares fechados.

Antes classificados como transtornos de ansiedade, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) passaram a ser considerados categorias à parte. Ambos compartilham com a ansiedade manifestações autonômicas e uma intensa reatividade corporal e mental. Embora não se saiba se a ansiedade está diretamente relacionada à origem de outros transtornos mentais, sua associação com essas condições é mais regra do que exceção. É comum observar quadros de ansiedade associados a transtornos depressivos, transtornos por uso de substâncias ou transtorno bipolar.

Nos quadros de ansiedade, há um desbalanço na integração entre as estruturas responsáveis pelo processamento inato do medo, como a amígdala, e as áreas corticais, que desempenham um papel no controle cognitivo e motor. Essas regiões estão em constante comunicação, mas, em alguns casos, a conectividade entre elas não se alinha adequadamente às situações vivenciadas. Portanto, ela é vista mais de uma alteração funcional do que estrutural. Se analisarmos um grupo de pacientes com ansiedade, podemos identificar, na média, alterações sutis nessas estruturas cerebrais. No entanto, essas diferenças têm pouco valor diagnóstico quando consideradas individualmente.

O manejo da ansiedade

diversas possibilidades terapêuticas para lidar com a ansiedade. Podemos começar com mudanças nos hábitos, embora não seja uma tarefa simples. É fácil dizer a alguém para reduzir o estresse no trabalho, mas colocar essa recomendação em prática é muito mais difícil. Existem algumas estratégias que podem ajudar, como aprender a lidar com o estresse, adotar hábitos saudáveis, manter uma alimentação equilibrada, consumir bebidas alcoólicas com moderação e praticar atividades físicas regularmente.

Temos ainda o grande desafio de modular a imersão digital, uma das grandes causadoras de ansiedade em crianças, adolescentes e adultos. A restrição ao uso aparelhos celulares nas escolas pode ser um passo inicial importante, mas não resolverá o problema por si só. No contexto educacional, é fundamental adotar estratégias de moderação e controle do uso de dispositivos eletrônicos dentro e fora da escola. Precisamos de um aprendizado sobre o uso consciente dos eletrônicos, que fazem parte da nossa realidade e não podem simplesmente ser evitados. O caminho é educar para que os jovens façam uso dessas ferramentas de forma equilibrada e saudável.

A literatura científica é clara ao afirmar que a atividade física, especialmente exercícios aeróbicos regulares, desempenha um papel fundamental no controle da ansiedade. Outro fator essencial é a higiene do sono, ou seja, manter horários regulares para dormir, garantir um ambiente confortável, reduzir estímulos visuais e sonoros à noite, evitar o consumo de café após o jantar e não usar o celular na cama. Estratégias de respiração e meditação, igualmente, têm sido cada vez mais adotadas. Mesmo sem recorrer a técnicas mais complexas de meditação ou mindfulness, os exercícios respiratórios já são um recurso valioso para reduzir a ansiedade. Eles ajudam a pessoa a desacelerar, a perceber que a ansiedade atinge um pico, mas depois tende a diminuir.

As estratégias mencionadas podem ser bastante eficazes, mas, quando não são suficientes, é necessário recorrer a medicamentos ou à psicoterapia. Atualmente, há tratamentos com o uso de medicações antidepressivas que cuidam também de transtornos de ansiedade e podem levar a ótimos resultados. Mais um recurso fundamental é a psicoterapia. Muitas abordagens terapêuticas ensinam estratégias para lidar com a ansiedade de forma ativa, ajudando o indivíduo a enfrentá-la, em vez de simplesmente evitar os estímulos que a desencadeiam.


Clique aqui e leia a edição completa da Revista FCW Cultura Científica sobre Ansiedade.

Marcelo Queiroz Hoexter, Médico psiquiatra, vice-chefe do Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica, Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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Equipe de jornalistas do Jornal DC - Diário Carioca

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