Recuperar o SUS: Conferência apresenta propostas e destaca consensos por saúde pública

A etapa nacional da Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, organizada pela Frente pela Vida, foi realizada nesta sexta-feira (5), em São Paulo, com a participação de centenas de militantes do setor. Gestores, trabalhadores da saúde, lideranças sociais e políticas, pesquisadores e sanitaristas de diversas partes do país debateram a construção de uma agenda para o Brasil, diante de desafios como o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e problemas acumulados por conta da pandemia de covid-19. 

“Entre 2018 e 2022, o Teto de Gastos – que tira dos pobres para dar aos ricos – já subtraiu R$ 36,9 bilhões do orçamento federal da saúde. Se nada for feito, a manutenção desse crime continuado acabará por inviabilizar completamente o SUS, abrindo as portas para a privatização da saúde”, disse o petista. 

Consensos

A conferência foi realizada em um clima de consenso em relação às prioridades de um próximo governo federal na área da saúde. “Acho que a catástrofe que vivemos no governo Bolsonaro, com essa história da pandemia e com essa história do necrogoverno, nos obrigou a trabalhar muito juntos nos últimos anos”, afirma Rosana Onocko, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). “Essa conjuntura de conseguir o movimento sanitário de novo unido, como foi lá na Constituinte, eu acho que é muito importante.” compara.

Alexandre Padilha, que foi ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff, lembra a importância de manter a atenção à covid-19. “Precisamos avançar na cobertura vacinal, vacinar crianças, grupos de risco com a quarta dose e acolher as pessoas com sequelas da covid-19”, diz. É necessário também um esforço para lidar com todas as consequências que a pandemia causou na saúde da população. “Cirurgias foram canceladas, exames foram cancelados, atividades de vigilância e acompanhamento foram cancelados, piorando o quadro de saúde das pessoas”.

Carta

Em consonância com o discurso do candidato petista, o primeiro ponto citado no documento é a recomposição do orçamento da saúde. Além de garantir que o investimento no setor alcance no mínimo 6% do Produto Interno Bruto (PIB), a Frente defende que deve haver uma política de alocação de recursos que foque na Rede Básica de Saúde. 

Para Fernanda Madano, integrante do Conselho Nacional de Saúde, a revogação do Teto de Gastos é importante, mas não basta. “Uma linha premente é o debate sobre um novo modelo de financiamento sobre o sistema”, afirma. “É uma recuperação de um desfinanciamento histórico e de uma desconsideração histórica, com interfaces com o Legislativo e com o Executivo, da perspectiva da valorização da vertente privada, que ficou garantida via constituição federal, infelizmente. Temos que priorizar o SUS público e estatal”.

A carta também cita a importância de fomentar a relação entre as políticas de saúde, de desenvolvimento industrial e de ciência e tecnologia para garantir sustentabilidade às políticas sanitárias e colaborar com o crescimento econômico. A estratégia para atingir esses objetivos é a implantação de um Complexo Econômico da Saúde, que poderá construir autonomia em saúde para a segurança e soberania sanitária, além da redução da dependência externa de insumos e tecnologias.  

Outros pontos citados no documento são a construção de uma carreira pública nacional para o SUS, a valorização do controle social da política de saúde e a atenção aos grupos sociais minorizados, como mulheres, pessoas com deficiência, população negra, indígena e LGBTQIA+. 

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Paulo Conceição, da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia, ressalta a importância do financiamento do SUS. “É um problema crônico que se cronificou ainda mais a partir do golpe de 2016 e a partir da aprovação do Teto de Gastos. Uma das proposições é a revogação do Teto para que se possa conseguir um maior financiamento do SUS, que é uma necessidade premente”. Ele também afirma que a participação da classe médica na Conferência e na discussão da saúde do país tem um caráter de reparação da atuação do Conselho Federal de Saúde no apoio ao governo Bolsonaro.  

“Nós temos, dentro desse esforço de remobilização, tentado constituir uma articulação entre o que a gente chama de setores progressistas e moderados dentro da categoria médica”, diz Vinícius Ximenes, da coordenação nacional da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares. “Dentro desse esforço que está vinculado à garantir a vitória de Lula nessas eleições, a garantir a posse de Lula e um ciclo que a gente saia somente de um patamar de resistência, que a gente possa reconstruir esse país, trazer novamente conquistas que nós tivemos nas últimas décadas e perdemos nos últimos anos.”

Diversidade de vozes

A plenária da Conferência contou com a participação de dezenas de movimentos de saúde do país. A despeito da diversidade das reivindicações, alguns pontos foram comuns à maioria dos depoimentos.  

Um deles é a luta pelo fim da gestão privada do SUS. Débora Aligieri, representante do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo (CMS-SP), fez uma fala contundente contra a participação das Organizações Sociais (OSs) na gestão das unidades de saúde na cidade. “No município de São Paulo mais de 90% da atenção básica está sob a gestão das OSs e a gente vem observando uma precarização tanto do vínculo trabalhista quanto da própria atenção à saúde da população”, diz. A reivindicação do Conselho é a revisão da política de gestão baseada em OSs e o desenvolvimento de estratégias e mecanismos para tornar o SUS 100% público. 

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A preocupação com a saúde mental com um viés antimanicomial também foi uma pauta defendida por diversos coletivos. Cris Taquá, representante da Articulação Nacional das Marchas da Maconha, da Associação Comunitária Agroecológica da Mata e do Coletivo de Mulheres Saúde Mental Antimanicomial, defendeu a pauta.

“A gente trabalha num viés do antimanicomialismo, tratamento em liberdade inserido na sociedade, dentro do contexto social comunitário e de forma geral, antiproibicionista, no sentido de tratar as pessoas e fazer planejamento de cura de acordo com o que elas querem e um tratamento de redução de danos, de tratar a intenção e os hábitos das pessoas de maneira que elas possam estar inseridas na sociedade sem estigmas”, diz. 

A saúde indígena também foi lembrada. Mepana Maguta, coordenadora geral do povo Maguta no Amazonas, relembrou as dificuldades dos povos originários durante a pandemia. “Foi muito difícil para nós, porque perdemos vários parentes que são os líderes, que no momento que a gente corre atrás, num momento muito difícil, os maiores líderes morreram na pandemia”, afirma. Houve dificuldade para conseguir remédios e alimentos no início da covid. 

Hoje, os indígenas buscam a garantia de acessar o direito à saúde. “Na aldeia temos falta de transporte, falta de remédios para os pacientes que não estão conseguindo chegar nas cidades para fazer os tratamentos”, diz.

Edição: Daniel Lamir