Catadores pedem secretaria no Ministério do Meio Ambiente e políticas para "sair dos lixões"

Os catadores de materiais recicláveis ​​ficaram mais uma vez em evidência depois que uma representante da categoria, Aline Sousa, fez parte do grupo que entregou a faixa presidencial para Lula (PT), durante cerimônia de posse, no primeiro dia de 2023.

Mãe de sete filhos, a catadora de 33 anos é uma das cerca de 281 mil pessoas que exercem essa atividade no Brasil. Delas, pelo menos 15 mil estão em processo de organização de cooperativas, segundo a Associação Nacional de Catadores (Ancat).


Em foto que rodou o mundo, Aline Sousa passa a faixa para o presidente petista assumir seu terceiro mandato / Foto: Ricardo Stuckert

A maioria, no entanto, trabalha de forma autônoma nas ruas e, por vezes, em lixões a céu aberto, sem receber trabalho de coleta, feito via de regra com carros pesados. A remuneração é apenas pela venda do material. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 90% do lixo reciclado no país passa pela mão dos catadores, mas 75% dos ganhos do setor de reciclagem vão para as energéticas energéticas.

“Nós, catadores, temos grande importância, mas na pirâmide da cadeia da reciclagem, somos os mais exploradores e invisíveis”, define Roberto Laureano da Rocha, da coordenação nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis ​​(MNCR) e presidente da Ancat. “Não queremos mais ter catadores em situação de lixão. Queremos ter catadores na formalidade, com políticas públicas para que os municípios contratem catadores. Que sejamos os grandes fluxos de serviço da logística reversa”, completou, referindo-se à responsabilidade de empresas por coleta e reciclar embalagens de seus produtos após o consumo.

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Espaço no Ministério e Programa pró-catador

Participando de reuniões em Brasília, integrantes do MNRC reivindicam que seja criada uma secretaria dedicada ao tema da reciclagem dentro do Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), comandado por Marina Silva (Rede).

“Temos uma prioridade do presidente Lula”, afirmou uma ministra ao assumir a massa, na última quarta-feira (4). “Ele me disse ‘Marina, eu quero uma atenção especial para o movimento de catadores'”, sinalizou durante seu discurso, sem maiores detalhes.

Na cerimônia em que assumiu o Palácio do Planalto, entre os despachos assinados por Lula, está a recriação do programa pró-catador, que espera melhorar as condições de trabalho e fomentar a organização produtiva da categoria. A nova versão do programa está sob responsabilidade da Secretaria Geral da Presidência, chefiada pelo ministro Márcio Macêdo, e ainda em elaboração.

Na última quinta-feira (5), foi criado um grupo de trabalho interministerial, com representantes do movimento de catadores e de empresários que aplicam a logística reversa, para definir como será o programa. O grupo tem o prazo de 30 dias para apresentar uma proposta.

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Originalmente criado em 2010 e funcionando como uma incubadora de cooperativas com incentivos do governo federal, o programa pró-catador foi extinto pelo governo Bolsonaro em 2020.

“Esse desmonte trouxe falta de investimentos para os catadores de materiais recicláveis ​​e aumento de concorrentes desleais do ponto de vista do mercado”, relata o Rocha. “Temos muitas empresas e start-ups fazendo o mesmo trabalho que os catadores, e nós sem nenhum incentivo para organizar e potencializar um trabalho que nós já fazemos há mais de 80 anos”, descreve. “Por isso, a gente entende que o pró-catador vai ser uma política para, nos próximos quatro anos, nos tirar da miséria e nos tratar como protagonistas”.

Catadores recolhem mais lixo para reciclar que prefeituras

Com carros e remunerações precárias, catadores recolhem mais lixo para reciclar do que pagam com contratos bilionários, pagos com dinheiro público dos municípios. Foi isso o que revelou a pesquisa Cataqui, feita em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte pelo Plano CDE a pedido do movimento social Pimp My Carroça.

Na capital paulista, por exemplo, as transportadoras Ecourbis e Loga receberam cerca de R$ 10 bilhões para prestar o serviço de coleta seletiva por duas décadas, até outubro de 2024. Em 2020, elas ocuparam 94,5 mil toneladas de lixo. No mesmo ano, cerca de 1.875 catadores ocuparam 161,2 mil toneladas, 71% a mais que as empresas.

Em Belo Horizonte, os catadores retiraram das ruas 159% mais de lixo do que as empresas contratadas pela prefeitura. A única cidade mantida em que o número se inverteu foi a capital carioca, em que a administração municipal consumiu 44 mil toneladas e os trabalhadores, na catação, 11,5 mil toneladas.

“Nós somos os preservadores do meio ambiente. Nós que estamos ali, desenvolvendo esse trabalho de coleta seletiva. Então não queremos ser massa de manobra e nem uberizados, no sentido de grandes empresas usarem nossa mão de obra, lá embaixo, para enriquecer”, Roberto afirma da Rocha. “Está na hora de a gente se fortalecer”.

Edição: Nicolau Soares e Sarah Fernandes