Imposto de importação não é suficiente para estimular reciclagem, diz especialista

O governo federal aumentou para 18% o imposto de importação de resíduos sólidos na tentativa de incentivar a cadeia produtiva de reciclagem nacional. A alíquota estava zerada para resíduos de papel e vidro e em 11,2% para plástico. O governo argumenta que a elevação na importação dos resíduos afeta o preço de venda dos materiais recicláveis comercializados no país. 

Em entrevista ao portal Brasil 61.com, o especialista em direito tributário e consultor jurídico do Instituto Nacional de Reciclagem (Inesfa), Rodrigo Terra, afirma que a medida contribui com o setor de reciclagem no país, mas avalia que não é o suficiente. Ele defende a desoneração da cadeia produtiva e argumenta que, atualmente, a venda de reciclados tem a mesma tributação da matéria-prima extraída da natureza.  

Brasil 61: Como esse aumento no imposto de importação de resíduos sólidos contribui com o setor de reciclagem?

Rodrigo Terra: Eu acho que contribui, de alguma forma contribui, mas acho que ainda é muito pouco. Eu acho que é preciso muito mais para de fato se incentivar a cadeia nacional de reciclagem e digo o porquê. Você desincentivar a importação de resíduos, claro, é uma medida que tem sentido, mas hoje a quantidade de resíduos importada não representa uma quantidade gigantesca capaz de causar uma variação tão grande no mercado nacional. É uma quantidade ainda pequena frente à totalidade de resíduos que são comercializados aqui no Brasil.

Brasil 61: Na sua avaliação, o que deve ser feito para incentivar o setor no país?

RT: O que de fato o governo deveria fazer para incentivar a reciclagem no Brasil, seria desonerar a venda desses recicláveis dentro do mercado nacional. Aumentar o imposto sobre o que vem de fora é uma medida boa? Sim, é uma medida boa, tem sentido, mas ainda é pouco. É preciso que pare de cobrar tributos sobre a venda de materiais recicláveis que são vendidos aqui dentro do Brasil. Hoje em dia, aqui no Brasil, quando a gente fala da venda de insumos recicláveis, a gente está falando que a venda desses insumos reciclados tem exatamente a mesma tributação do que a venda daqueles insumos  extraídos da natureza. Então, quando a gente olha para uma indústria de transformação, por exemplo, que precisa comprar matéria-prima, ela tem opção de comprar matéria-prima reciclada ou matéria-prima virgem extraída da natureza, pensando pelo ponto de vista tributário, ela não tem absolutamente nenhum incentivo para escolher a matéria-prima reciclada frente à matéria-prima extraída da natureza.

Brasil 61: A reforma tributária aprovada na Câmara traz alguma previsão no sentido de desoneração dessa cadeia?

RT: A reforma tributária tem uma previsão de dar um tratamento diferenciado para a cadeia de recicláveis. Basicamente o texto que foi aprovado pela Câmara dos Deputados prevê um crédito presumido para aquelas empresas processadoras que comprarem materiais recicláveis de pessoas físicas. Mas ainda é pouco, é preciso mais. Hoje em dia, só para que se tenha uma ideia, pensando pelo ponto de vista financeiro, é mais vantajoso para a indústria de transformação adquirir uma matéria-prima virgem do que uma matéria-prima reciclada. Isso acontece, por exemplo, no plástico. É mais barato produzir plástico com matéria-prima virgem do que produzir plástico com matéria-prima reciclada. Então, o governo precisa, para conseguir mudar essa realidade, se utilizar de políticas públicas tributárias para conseguir fazer o efeito inverso. Para que seja mais barato produzir um plástico novo com base em uma matéria-prima reciclada. E o governo precisa então desonerar a cadeia por completo. No meu ponto de vista pelo menos, essa seria a ferramenta mais adequada para conseguir alcançar esse objetivo. 

Brasil 61: Pensando em desoneração, a Câmara analisa o PL 4035/2021. O senhor acredita que esse projeto contempla as mudanças necessárias?

RT: Minha avaliação em relação a esse projeto é a melhor possível. Acho que é um projeto importantíssimo para a cadeia de reciclagem. Basicamente,  o projeto isenta de PIS e Cofins as empresas e as cooperativas que vendem insumos reciclados e ainda assim permite que o adquirente desses insumos se aproprie de um crédito presumido nessa compra. Então, quem vende não tem que pagar PIS/Cofins e quem compra, ainda assim, toma um crédito tributário em relação a essa compra. Essa, sim, é um exemplo claro de uma política pública tributária que, se aprovada, incentivaria a cadeia de reciclagem e poderia vir a tornar a aquisição de insumos reciclados mais vantajosa frente à aquisição  de insumos extraídos da natureza.