Patrimônio imaterial de Fortaleza, Maracatu só é lembrado durante o carnaval

Em Fortaleza, quando o som dos batuques e tambores ressoa, já se sabe: é o Maracatu tomando conta dos palcos e avenidas. Mas, apesar de ser considerado patrimônio imaterial da cidade desde 2015, o ritmo ganha a visibilidade que merece apenas durante o carnaval, como criticam artistas e grupos culturais da capital cearense. Ainda assim, eles resistem e ajudam a manter 15 Maracatus oficiais na cidade.

“Nós precisamos avançar na discussão dos maracatus e no diálogo de políticas públicas de cultura. Os grupos precisam de um suporte de editais de manutenção, com valores significativos para que a gente possa custear as sedes, os professores e todos custos envolvidos na atividade”, defende o multiartista Pingo de Fortaleza, um dos fundadores do Maracatu Solar. Ele lembra que esses processos de formação duram o ano inteiro, com oficinas culturais que envolvem a juventude, por meio da arte, da política e da história de luta e resistência do povo negro.

Maracatu Solar / Governo do Estado do Ceará

O Maracatu Solar é um programa de formação cultural continuada, que funciona desde 2006. A agremiação participa dos desfiles da Avenida Domingos Olímpio, em Fortaleza, principal ponto do carnaval cearense, mas não participa da competição. Há dez anos, o Maracatu Solar escolhe como tema uma entidade ou orixá do universo das religiões de matriz afrobrasileira e, através dele, desenvolve um processo de discussão de temas contemporâneos e históricos.

Neste ano, o grupo faz uma homenagem à Oxumaré, o orixá dos ciclos e das mudanças. “É um orixá que nos remete a várias mudanças, como o fim da pandemia que foi muito difícil para a cultura e o fim de um ciclo político autoritário e preconceituoso para um ciclo de esperança, de reconstrução do país e dos nossos sonhos, com a volta do Ministério da Cultura”, explica Pingo.

Valorizar a cultura e a história do Brasil também é a missão do Maracatu Nação Fortaleza. Idealizador do grupo, o cantor e compositor Calé Alencar chama atenção para a falta de reconhecimento do poder público à importância dos Maracatus como instrumento de educação cultural e popular. Segundo o artista, o pequeno museu destinado ao Maracatu cearense desapareceu com a reforma do Teatro São José.

“Se é um patrimônio, deveria haver uma preocupação de se conversar, conhecer e reconhecer cada vez mais esse patrimônio. Era algo pequeno e simples, mas pelo menos existia e a gente se ressente porque é um espaço que poderia ser visitado por turistas, moradores e estudantes para transformar o Maracatu em política permanente de educação, principalmente nas escolas públicas, para a gente ensinar história, dança e música através dos elementos que fazem parte do cortejo”, ressalta Calé.

Maracatu Nação Fortaleza / Divulgação

Este ano, o grupo leva para a Avenida Domingos Olímpio a história da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus. Uma mulher negra, mineira, que viveu em uma favela de São Paulo com seus filhos e teve sua obra literária traduzida em vários países. “Escritora, cantora, compositora, ela teve uma imensa contribuição para a nossa cultura e a gente sempre busca valorizar a contribuição das pessoas invisibilizadas, porque só contam a história de quem está no poder, mas muitas vezes a contribuição social e política vem da base popular”, lembra Calé, que destaca nomes como Bárbara de Alencar, Dandara dos Palmares e Tereza de Benguela, outras mulheres importantes para a história política e social brasileira.

Fazendo história

Tesouro Vivo do Ceará, o Maracatu Az de Ouro é a primeira agremiação criada em Fortaleza, em 1936, pelo artista popular Raimundo Alves Feitosa. Foram as primeiras manifestações oficiais do Maracatu no estado, com ritos, dança dramática e todos os simbolismos da tradição. 

Neste ano, Az de Ouro homenageia o lendário Dragão do Mar, um líder jangadeiro chamado Francisco José do Nascimento, mais conhecido como Chico da Matilde, que paralisou o mercado escravista no porto de Fortaleza, em uma greve contra a opressão do povo negro. 

O presidente da Agremiação, Marcos Gomes, destaca que o tema foi escolhido para valorizar a liberdade. “Assim como Dragão do Mar, outros companheiros disseram não para a embarcar escravos para outros estados do Brasil e nós contamos essa história do negro no Ceará e pensamos que a população cearense precisa conhecer e valoriza a importância do Dragão do Mar, dentro da sociedade da época”, destaca o artista.

Sobre a falta de investimentos permanentes que valorizem a cultura dos Maracatus, Gomes destaca que falta empenho da gestão cultural. “A política de editais, quando existe, discrimina agremiações históricas. A gente não tem prática em editais e a política ampla fica só no papel. Depois de dois anos sem carnaval, vamos ver se vai ter ônibus no fim da festa da Domingos Olímpio para que todos voltem pra casa em segurança. No último carnaval foi um sofrimento sem transporte. Esperamos que isso não ocorra porque apesar da estrutura montada na Avenida, se as pessoas não tiverem como voltar para casa, vai esvaziar a festa”, alerta.

O BdF Ceará entrou em contato com a Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria de Cultura, solicitando a relação de valores investidos nos Maracatus durante o Ciclo Carnavalesco, mas não obteve resposta.

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Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia e Sarah Fernandes