Zona Franca, base de lançamento de foguete, hidrovia Belém-Macapá, tudo no Marajó

A bancada de São Paulo no Congresso Nacional só não jogou ainda uma bomba atômica na Zona Franca de Manaus porque isso nem a ditadura necrófaga permitiria

BRASÍLIA, 1 DE ABRIL DE 2021 – A bancada de São Paulo no Congresso Nacional só não jogou ainda uma bomba atômica na Zona Franca de Manaus porque isso nem a ditadura necrófaga permitiria. Já a bancada do Amazonas no Congresso não quer nem ouvir falar em uma Zona Franca de Manaus no Pará, no Marajó, para ser mais exato. Mas o presidente Jair Messias Bolsonaro quer, e o Pará também. 

Em 3 de março, o governo federal lançou o Programa Abrace o Marajó, com o objetivo de reduzir o abismo social dos mais de 500 mil habitantes da maior ilha marítimo-fluvial do planeta, do tamanho da Suíça, banhada ao norte pelo maior rio do mundo, o Amazonas. Também o maior arquipélago flúvio-marítimo do planeta, formado por cerca de 2.500 ilhas.

Gestado no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (de sigla impronunciável: MMFDH), o projeto visa a melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios da região, ampliando o acesso dos marajoaras aos direitos humanos. Um negócio ainda muito vago, mas lançado.

Até porque a ilha inclui o município com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil: Melgaço. Outros sete dos 16 municípios que compõem a mesorregião estão na lista dos 50 piores IDHs do país: Chaves, Bagre, Portel, Anajás, Afuá, Curralinho e Breves. Como se vê, a desgraça é muita numa ilha paradisíaca, mas onde só os muito fortes conseguem sobreviver à infância; geralmente são derrotados por vermes, giárdia, ameba, malária, toda sorte de microrganismo fatais, fome e feras, incluindo aí o homem.

Há outro problema também, este, escabroso: muitos das crianças, adolescentes e mulheres viram escravos sexuais. “Será o nosso primeiro momento de basta de tanto sofrimento, de tantas agruras e de tantas violações de direitos, especialmente da exploração sexual de crianças e a violência doméstica” – disse a ministra do MMFDH, Damares Alves. “Por quanto tempo o povo do Marajó tem permanecido esquecido e negligenciado? Chegou a hora de darmos um basta nisso, de olharmos para os marajoaras e enxergá-los! Vamos todos juntos abraçar o Marajó, abraçar suas necessidades e vencê-las por meio de estratégias e políticas públicas direcionadas.”

De lá para cá, já foram realizados atendimentos médicos, audiências públicas para acolhimento de reivindicações e palestras sobre violência doméstica contra a mulher e exploração sexual infantil. A segunda fase do projeto pretende melhorar a presença do estado na ilha, principalmente na educação, saúde, segurança e renda.

O projeto envolve empresas públicas e privadas do Pará e das prefeituras dos municípios da região, além de 15 ministérios do governo federal: Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Cidadania; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; Defesa; Desenvolvimento Regional; Economia; Educação; Infraestrutura; Justiça e Segurança Pública; Meio Ambiente; Minas e Energia; Saúde; Turismo; Controladoria-Geral da União; e MMFDH.

Todos os 16 municípios que formam o arquipélago serão contemplados pelo programa: Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure.

Pois bem, no lançamento, Bolsonaro disse que pediria ao ministro da Economia, Paulo Guedes, estudos para a concessão de incentivos fiscais à Ilha de Marajó: “Vou tomar providências junto ao nosso ministro da Economia para ver o que podemos fazer no que for possível para isentar essa região. Seria algo parecido com a Zona Franca (de Manaus). Zona Franca aí do Marajó. Tenho certeza de que alguma coisa sairá. Afinal de contas, temos de integrar todo o Brasil”. 

A Amazônia é um continente. A Zona Franca de Manaus fica na Amazônia Ocidental e a do Marajó ficaria na Amazônia Atlântica. Isso nem sequer arranhará o parque industrial de São Paulo, que é o maior do Hemisfério Sul.

Estou certo de que a crença de que São Paulo queira bombardear (no sentido ideológico) Manaus vem do sentimento dos paulistanos de que todos os demais estados do país são colônias suas, com exceção do Rio de Janeiro, pois os cariocas acabam fazendo galhofa da sede de trabalho dos paulistanos, e nisso somos todos gratos aos paulistas, que fazem do Brasil um dos países mais ricos do mundo.

O deputado Celso Sabino (sem partido/PA) disse a este repórter que a ideia da zona franca do Marajó vem sendo costurada desde que Bolsonaro, de quem é aliado, deu a ideia. Além do turismo, o Marajó é grande exportador de açaí, palmito, pescados, búfalo e derivados, urucu e cerâmica, e poderá agregar valor a essas commodities e vários outros produtos, que tirarão do Marajó da Idade Média e o alçarão à corrida espacial. Querem ver?

A ideia, agora, é ousada: uma base de lançamento de foguete no Marajó, no cabo Maguari, município de Soure, a 80 quilômetros de Belém. O cabo Maguari talvez seja o melhor ponto do planeta para o lançamento de foguetes, pois está situado praticamente na Linha Imaginária do Equador, ponto de rotação mais veloz da Terra, o que impulsiona o lançamento de foguetes, e defronte para o oceano Atlântico, área de escape por excelência em caso de acidente, além de afastado de aglomerações humanas.

As duas bases brasileiras de lançamento de foguetes, o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em Natal/RN, e o Centro de Lançamento de Alcântara/MA, ambos na Região Nordeste, tanto um quanto o outro vem sendo estrangulado, o do Rio Grande do Norte por especulação imobiliária e o do Maranhão por questões fundiárias, referentes a demarcações de terras quilombolas.

Componentes, e até foguetes, mesmo, e satélites, poderiam ser fabricados no Distrito Industrial de Barcarena, com energia hidroelétrica da usina de Tucuruí, e serem transportados de balsa do Porto de Vila do Conde para Soure, e, de lá, para o cabo Maguari.

Mas há uma questão prática, que pode ser resolvida já: o projeto da Hidrovia do Marajó, fruto de convênio celebrado entre os governos estadual e federal, mas que nunca saiu do papel. Segundo relatório da Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental (Ahimor), “já foram realizados todos os estudos técnicos e ambientais (EIA/Rima) para a dragagem de 32 quilômetros do canal destinado a perenizar a interligação das bacias dos rios Atuá e Anajás, interligação já existente pela própria natureza, mas durante somente seis meses de cheia”.

A construção da hidrovia consiste na dragagem de 9 milhões de metros cúbicos entre os rios Atuá e Anajás, a fim de garantir a navegação, na época da seca, de comboios com até 2.800 toneladas de capacidade de carga em quatro chatas, de Belém a Macapá, vice-versa. Segundo o projeto, a hidrovia atravessará pelo meio o arquipélago no sentido sudeste-noroeste, levando novas oportunidades de emprego e de renda para a população local e facilitando o escoamento da produção de todo o Marajó.

Assim, os 580 quilômetros que hoje separam Belém de Macapá/AP, porque a ilha do Marajó tem de ser contornada, diminuirão para 432 quilômetros pelo meio da ilha. Haverá uma redução de 148 quilômetros entre a capital do Pará e a capital do Amapá. Uma das grandes vantagens do Marajó e de Macapá é sua localização geográfica privilegiada, próxima de mercados como os Estados Unidos, a Europa e a Ásia (via Canal do Panamá). 

“Além disso, a obra vai permitir acesso aos diversos recursos naturais da região marajoara, modernização do seu parque agropecuário e suprimento dos mercados consumidores de Belém e Macapá, viabilizando a criação de bacias leiteiras e estimulando a piscicultura” – observa o relatório da Ahimor, alinhando ainda, entre os impactos sócio-econômicos, o desenvolvimento do turismo flúvio-ecológico e a integração nacional do Marajó e do Amapá por meio da Hidrovia Araguaia-Tocantins, outra obra da maior importância para a Amazônia.

Como já foi dito, a Secretaria Executiva de Transportes do Pará e a Ahimor cumpriram todas as exigências legais, tais como elaboração de EIA/Rima e realização de audiências públicas, e em setembro de 1998, a Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio-Ambiente do Pará concedeu a licença ambiental para instalação da obra, que foi renovada anualmente, até 2002.

Acontece que, por força da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, até hoje o projeto da hidrovia não conseguiu sair do papel e a consequência disso é que a população do Marajó sofre os efeitos devastadores de doenças infectocontagiosas, principalmente malária, de erradicação remota diante da dificuldade de acesso para a implementação de ações necessárias para debelar a doença.

O governo do estado e o Ministério dos Transportes chegaram a tomar todas as providências para o início das obras, inclusive a avaliação das terras localizadas nos municípios de Anajás e Muaná, feita por técnicos do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Procuradores do estado foram ao encontro dos comunitários para fazer o pagamento das indenizações no próprio local. Um convênio para distribuição do material lenhoso também foi celebrado com as prefeituras de Anajás e Muaná.

Além disso, um plano de saúde foi elaborado para atender a área de influência da futura hidrovia. O plano envolve a construção de ambulatórios, proteção aos operários que trabalharão na obra e imunização contra doenças endêmicas. O fato é que está tudo pronto para que a obra seja realizada. Mas depende do Ministério Público Federal.

A Hidrovia do Marajó só sairá do papel se os governos federal, do Pará e do Amapá se unirem para valer por essa causa, levando-a ao Supremo Tribunal Federal (STF). Também os parlamentares do Pará e do Amapá no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas dos dois estados, comprometidos com o desenvolvimento da região, podem sair a campo e coletar assinaturas para entrarem no Congresso com um projeto popular que crie exceção em prol do desenvolvimento da Amazônia. No Congresso Nacional, quando uma bancada se une em torno de um projeto, pode qualquer coisa