Na semana passada o governo ucraniano pediu para que o Brasil se una às pressões do seu país para que a Rússia “devolva” crianças supostamente sequestradas durante a sua ação militar em território ucraniano. O Brasil não mostrou interesse em se juntar à farsa.
Nota publicada no Valor Econômico refere-se às crianças que fugiram da Ucrânia para a Rússia como tendo sido “sequestradas por forças russas”, ecoando acriticamente a propaganda do regime de Zelensky. Esse jornal, como qualquer dos grandes jornais brasileiros, jamais tratou as milhares de crianças sequestradas por Israel em Gaza e na Cisjordânia (21 das quais foram soltas pelo acordo de cessar-fogo) e confinadas nas masmorras israelenses, sofrendo torturas, como sequestradas. Seria pedir muito para uma imprensa que sequer menciona que Israel sequestrou e mantém presos 18 mil palestinos desde o 7 de outubro de 2023.
A mesma matéria sinaliza que as crianças ucranianas “supostamente levadas à Rússia estariam sendo vítimas de doutrinação de valores russos, inclusive com as mudanças de seus nomes”. Eis o nível que chega a propaganda antirrussa disseminada na imprensa brasileira e internacional.
Vamos por partes. 1) as crianças “levadas” à Rússia são, em sua esmagadora maioria, vítimas da guerra no Donbass. Essa guerra começou com a ofensiva militar da então junta golpista de Kiev no início de 2014 contra aquela região, cujos cidadãos não concordaram com o golpe do Maidan, estavam praticamente desarmados e não tinham exército. O Donbass é uma região que sempre pertenceu à Rússia, durante séculos, fazendo com que, até hoje, a maioria de seus habitantes seja de etnia russa, fale russo, se considere russo, siga a igreja ortodoxa russa e tenha parentes na Rússia. Desde 2014, milhares de refugiados do Donbass, vítimas dos ataques de Kiev, fugiram para a Rússia. Ninguém está sendo “levado” para a Rússia, e muito menos “sequestrado”.
2) a “doutrinação de valores russos” não é nada mais do que a educação formal que essas crianças agora têm acesso, vivendo na Rússia, como qualquer outra criança que vai à escola. Na Rússia, elas aprendem a história e a cultura do país, como em qualquer nação do planeta. Recentemente, o governo russo também promoveu uma reforma curricular para a maior promoção do que poderíamos chamar de “educação moral e cívica”, que existe em diversos países. Não é algo voltado especificamente para os ucranianos, a fim de “transformar” as crianças ucranianas em russas, uma espécie de colonização cultural. É simplesmente o que é ensinado nas escolas.
E 3) basta olhar para o que o governo ucraniano vem fazendo desde 2014 para perceber a hipocrisia dessas acusações. Após o golpe do Maidan e o cerco militar ao Donbass, as autoridades ucranianas (muitas delas nazistas ou amigas dos nazistas dos batalhões Azov, Aidar, Pravy Sektor, Svoboda etc. que contaminaram as instituições do país) modificaram o currículo das escolas, promovendo um ensino revisionista e deturpado da história da Ucrânia, apresentando aqueles que colaboraram com a invasão hitlerista da II Guerra como heróis na luta pela independência contra os soviéticos. Vários outros episódios da história da Ucrânia também estão sendo manipulados, a fim de convencer os alunos que os russos são os seus inimigos ou mesmo uma “raça inferior” – como diziam os comparsas de Stepan Bandera. Na Ucrânia, sim, existe uma verdadeira doutrinação, uma doutrinação sobre os “valores ucranianos” – mas esses valores são os dos banderistas. Os meios de comunicação em russo foram banidos, o ensino do russo, que sempre existiu, também foi banido, e há relatos de pessoas que foram multadas por falar russo na rua. Também há, como parte dessa doutrinação, a mudança de nomes, seja de nomes russos “ucranianizados” – como o próprio “Volodymyr” Zelensky –, seja com a substituição de ruas, avenidas e praças batizadas em homenagem a algum expoente da cultura e da história comuns nascido na Rússia.
“A perpetuação da memória dos patriotas do Regimento Azov é decisiva para a história e a cultura ucraniana, uma vez que essas pessoas têm defendido o nosso país da ocupação russa”, declarou em 2022 um deputado de Kiev ao defender a medida do prefeito Vitaly Klitshchko de renomear a Rua Pushkin para Rua Europa e a Rua Leo Tolstoi para Rua Batalhão Azov (incorporado ao exército ucraniano e tornado regimento após a estabilização do regime do Maidan). Pouco tempo após a intervenção russa no Donbass, a prefeitura de Kiev desmantelou o monumento que representava os operários russos e ucranianos no Arco da Amizade dos Povos e rebatizou o arco para Arco da Liberdade do Povo Ucraniano, o que evidenciou que não se trata de um ódio dos ucranianos pelo governo ou pelo exército da Rússia, mas sim pelo próprio povo russo – ódio criado e nutrido pelas autoridades do regime do Maidan e por décadas de trabalho da CIA na Ucrânia.
A pedido do Valor Econômico, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou que “a questão das crianças ucranianas representa um dos aspectos mais trágicos e preocupantes do conflito russo-ucraniano. A preocupação com questões humanitárias tem sido importante elemento do posicionamento do Brasil com relação ao conflito”. Isso tudo é verdade. Mas essa “questão” ocorre precisamente dentro da Ucrânia, em particular no Donbass. As crianças estão sendo sequestradas – ao menos suas mentes estão – pelo Estado ucraniano, repleto de novos nazistas, doutrinadas e deseducadas para ignorar a história do país e do mundo e odiar os russos e tudo o que estiver identificado com a Rússia, inclusive ideologias políticas de esquerda, como o comunismo, proibido na Ucrânia.
As crianças ucranianas precisam ser salvas – mas salvas das próprias autoridades ucranianas.