Brasília – Sete anos depois da execução de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, a Câmara dos Deputados finalmente se moveu para eternizar a memória da vereadora como símbolo da luta por direitos humanos. Foi aprovado nesta segunda-feira (26) o Projeto de Lei 6366/2019, que cria o Dia Nacional das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos – Marielle Franco, a ser celebrado todo 14 de março, data do duplo assassinato ainda sem todos os mandantes identificados. O projeto segue agora para o Senado.
Enquanto a autoria intelectual do crime permanece blindada por interesses escusos e pactos de silêncio, a institucionalização da data representa mais que uma homenagem: é uma lembrança incômoda para quem tenta apagar Marielle da história. A proposta prevê que entidades públicas e privadas realizem ações de valorização e proteção de defensoras e defensores de direitos humanos durante a semana da data, incluindo debates, campanhas e atividades educativas.
Dia Marielle Franco como memória política viva
Mais que um tributo, o Dia Marielle Franco se torna um lembrete perene da brutalidade que atingiu uma mulher negra, favelada, lésbica e eleita democraticamente — e da urgência em proteger outras como ela. Em tempos de retrocessos e perseguições sistemáticas, o reconhecimento do papel de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil soa quase como um ato de resistência institucional.
A vereadora do PSOL, assassinada no centro do Rio em 14 de março de 2018, voltava de um evento chamado “Jovens Negras Movendo Estruturas” quando foi emboscada por milicianos. As investigações revelaram envolvimento direto de ex-policiais militares ligados a grupos paramilitares com raízes no Bolsonarismo carioca.
A articulação pela data começou no Congresso ainda em 2019, após intensa mobilização de movimentos sociais, ONGs e parlamentares do campo progressista. A relatoria ficou com o deputado Nilto Tatto (PT-SP), que destacou o caráter emblemático da luta de Marielle contra abusos do Estado e a militarização das periferias.
Um país que mata seus defensores
O Brasil está longe de ser seguro para quem defende direitos humanos. Segundo relatório da Global Witness, o país segue entre os mais perigosos do mundo para ativistas socioambientais e defensores de minorias. Lideranças indígenas, quilombolas, ambientalistas e jornalistas seguem sendo perseguidos, criminalizados ou mortos, muitas vezes com o silêncio conivente do Estado.
A criação do Dia Marielle Franco tenta jogar luz sobre essa realidade — que é estrutural. A proposta prevê a promoção de políticas públicas voltadas à proteção dos defensores, mas também a realização de ações educativas nas escolas, campanhas de conscientização e promoção de debates sobre o papel dessas pessoas na democracia.
É um passo necessário, mas tímido frente ao tamanho do problema. Como lembrou a Anistia Internacional em nota de apoio ao projeto, “a memória de Marielle exige justiça, e não só simbolismo”.
Câmara tenta limpar imagem, mas segue em dívida
A aprovação do projeto ocorre numa legislatura ainda marcada pela presença de figuras que tentaram sabotar a investigação de Marielle, relativizaram seu assassinato ou associaram sua imagem a fake news criminosas. Vale lembrar que Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente e ex-amigo do ex-policial Ronnie Lessa, acusado de executar Marielle, continua blindado por parte do Congresso e do Judiciário.
É irônico ver a Câmara aplaudir a aprovação de um projeto em memória de Marielle enquanto setores dessa mesma Casa seguem manobrando para dificultar a responsabilização dos mandantes do crime.
Mas, como lembrou Mônica Benício, viúva da vereadora e atual vereadora pelo PSOL, “transformar o luto em luta é o que impede que nos silenciem de novo”.
O Carioca esclarece
Quem foi Marielle Franco e por que virou símbolo?
Marielle foi uma vereadora do Rio pelo PSOL, mulher negra, favelada, lésbica, que denunciava abusos policiais. Foi assassinada por motivos políticos, tornando-se símbolo global da luta por justiça.
O que muda com a aprovação do Dia Marielle Franco?
A data de 14 de março passa a ser oficialmente dedicada à memória e valorização de defensoras e defensores de direitos humanos, com ações previstas em todo o país.
Quais são as consequências sociais e políticas?
O projeto pressiona o Estado a reconhecer e proteger os ativistas, e expõe a contradição de um país onde quem defende direitos continua sendo alvo.
Como isso afeta a democracia brasileira?
Defender direitos humanos é base de qualquer democracia real. Ignorar ou matar seus defensores é flertar com o autoritarismo.