O governo da França convocou nesta segunda-feira o embaixador dos Estados Unidos, Charles Kushner, depois de declarações críticas contra o presidente Emmanuel Macron a respeito da política francesa de combate ao antissemitismo. As falas, alinhadas ao discurso do premiê israelense Benjamin Netanyahu, foram classificadas por Paris como ingerência inaceitável em assuntos internos.
França reage à ingerência de Washington
Em comunicado oficial, o Ministério das Relações Exteriores francês afirmou que as declarações de Kushner “contrariam o direito internacional, em particular o princípio de não intervenção em assuntos internos de Estados soberanos. Também não condizem com a confiança que deve existir entre aliados”.
A convocação do embaixador, medida incomum entre países parceiros, expôs a gravidade do atrito diplomático em pleno contexto da decisão francesa de reconhecer o Estado da Palestina na próxima Assembleia Geral da ONU, marcada para setembro.
Netanyahu pressiona Macron e encontra eco nos EUA
No dia 17 de agosto, Netanyahu acusou o presidente francês de “alimentar o fogo antissemita” ao apoiar o reconhecimento palestino. A diplomacia francesa respondeu que a mensagem “não ficaria sem resposta” e denunciou a tentativa de “confusão e manipulação”.
Dias depois, Charles Kushner publicou artigo no Wall Street Journal ecoando os argumentos do premiê israelense. Para ele, o reconhecimento do Estado palestino “encoraja extremistas, fomenta a violência e coloca em risco os judeus na França”.
Antissemitismo em pauta e instrumentalização política
Kushner, pai de Jared Kushner e genro do presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que “não há um dia sem que judeus sejam agredidos nas ruas francesas” e exaltou a gestão republicana em Washington como modelo de combate ao antissemitismo.
O diplomata ainda citou pesquisas segundo as quais “quase metade dos jovens franceses nunca ouviu falar do Holocausto”, usando os dados para reforçar críticas ao governo Macron.
Em resposta, o Itamaraty francês admitiu o aumento de atos antissemitas desde os ataques do Hamas em outubro de 2023, mas ressaltou que “as autoridades francesas estão totalmente mobilizadas” contra a violência e rejeitou a narrativa de Washington.
Governo francês reforça diferenças com Washington
A ministra da Igualdade, Aurore Bergé, destacou em entrevista às rádios Europe 1 e CNews que o antissemitismo explodiu em várias democracias, inclusive nos Estados Unidos, após 7 de outubro de 2023.
“Sim, o antissemitismo cresceu na França. Hoje está abaixo do pico de 2024, mas ainda acima do período anterior. Isso é insuportável”, declarou.
Bergé fez questão de diferenciar a postura de Paris da de Washington: “Na França, não nos escondemos atrás de uma suposta liberdade de expressão para relativizar o Holocausto, como acontece nos EUA, onde o negacionismo pode ser defendido em nome da liberdade de expressão”.
Conflito diplomático em pleno tabuleiro geopolítico
A convocação de Charles Kushner reflete o desgaste entre Macron e Trump às vésperas da votação sobre a Palestina na ONU. O episódio também expõe a pressão internacional exercida por Netanyahu para barrar avanços no reconhecimento do Estado palestino, enquanto a diplomacia francesa insiste que o momento exige “gravidade e responsabilidade, não manipulação”.