Inicia-se, nesta terça-feira, 02 de setembro, na primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do Núcleo 1, identificado, na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), como o núcleo de comando e é formado pelos principais responsáveis pela articulação política e militar da tentativa de golpe.
O famigerado grupo conta com as figuras de Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Dado o peso desses indivíduos e suas posições institucionais no governo anterior, o julgamento é apontado – conjugando adjetivações e frases de efeito – o “julgamento do século”, “julgamento histórico”, “inexorável encontro com a Justiça”, “[a] defesa da democracia contra os golpistas”, “o julgamento mais importante da história do STF”, entre tantas outras nomeações.
Sabidamente, há, no caso em tela, aspectos fundamentais no campo jurídico, político, sociológico e até pedagógico. Há, inclusive, por não se tratar de ciência exata, teses e teorias para os variados gostos presentes na natureza humana.
Politicamente – não ouso tratar do Direito –, Bolsonaro chega derrotado ao julgamento e não apenas pelos crimes que lhe são imputados: associação criminosa armada; golpe de estado; abolição violenta do estado democrático de direito; deterioração de patrimônio tombado; e dano qualificado com uso de violência e grave ameaça. A derrocada de Bolsonaro começa bem antes, já em sua derrota para Lula em 2022; na sua inelegibilidade; nos vários processos em que é investigado, indiciado e réu; e, mesmo agora, durante o julgamento no STF, é apontado, junto com seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, por coação no curso do processo, ou, em outras palavras, como um operador que tenta constranger os juízes e, ainda, conspira contra seu país, por meio de tarifaço e sanções a ministros do STF e do governo Lula.
Política e sociologicamente, verificaremos se nossas instituições, bem como nossa sociedade e a democracia terão resiliência e passarão por mais esse teste.
A sociedade continua dividida, polarizada ou calcificada, como apontam estudiosos. Na recente pesquisa Genial/Quaest, 55% dos brasileiros consideram a prisão domiciliar de Bolsonaro justa e 39% apontam que ela é injusta; já acerca do plano de golpe, 52% afirmam que Bolsonaro participou da orquestração e 36% acreditam que ele não sabia ou participou.
O universo político não permite vácuo de poder e os movimentos, seja no Centrão ou de aliados próximos de Bolsonaro, já indicam, de forma clara e evidente, que, ao menos no curto e médio prazo, o ex-presidente não retoma o poder conquistado.
O julgamento ocorre em um ambiente saturado, nas redes sociais, de fake news, pós-verdades, negacionismos e teorias da conspiração no plano interno; do exterior, há a força dos EUA e do trumpismo, constrangendo e atacando a soberania brasileira. E, não menos importante, é o uso político que tanto Lula quanto os aliados do clã Bolsonaro usam na confecção de suas narrativas, que são desfavoráveis ao bolsonarismo.
Pedagogicamente, enfim, há que se ter de forma límpida qual o ensinamento isso tudo nos trará, individual e coletivamente. Democracia tem, em seu bojo, alternância de poder, uns ganham e outros são derrotados; subsiste, na disputa, adversários e não inimigos; respeitar as regras do jogo democrático é pressuposto para a sobrevivência da própria vida social e do Estado democrático de direito.
Esse é, por certo, um julgamento histórico e, mais que isso, necessário, sejam os réus inocentados ou culpados. Tudo dentro da lei e dos princípios republicanos.
*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Diário Carioca