O assassinato do ativista conservador Charlie Kirk nos Estados Unidos trouxe um elemento inesperado para o centro do debate cultural e político: a canção italiana Bella Ciao, reconhecida como símbolo da resistência antifascista. Autoridades revelaram que uma cápsula de bala não deflagrada encontrada junto à arma do crime trazia inscrito o refrão “O bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciao”.
A informação foi divulgada pelo governador de Utah, Spencer Cox (Partido Republicano), durante coletiva em que confirmou a prisão do suspeito Tyler Robinson, de 22 anos. Segundo Cox, outras munições recuperadas também apresentavam inscrições ligadas a símbolos culturais e até referências a videogames.
Raízes operárias e transformação política
Apesar de hoje ser conhecida mundialmente como canção partigiana, Bella Ciao tem origens ligadas ao trabalho agrícola. No século XIX, mulheres sazonais dos arrozais italianos, conhecidas como mondine, cantavam versos denunciando as duras condições de trabalho — lama até os joelhos, mosquitos e jornadas exaustivas.
Aos poucos, a canção se transformou em instrumento de organização operária e ganhou força política na década de 1920, em meio ao avanço do fascismo de Benito Mussolini. Versos passaram a simbolizar greves e lutas por melhores condições laborais, inclusive a conquista da jornada de oito horas.
Do pós-guerra à cultura pop
Contrariando o senso comum, estudiosos afirmam que Bella Ciao não foi amplamente entoada durante a Segunda Guerra Mundial. Sua versão mais famosa surgiu no pós-guerra, associada ao sacrifício de um “partigiano” que morre pela liberdade.
Nos anos 1950 e 1960, a cantora Milva popularizou o hino, que também ecoou nos protestos estudantis de 1968. Desde então, Bella Ciao foi reinterpretada em dezenas de idiomas, de versões de Yves Montand e Tom Waits até a adaptação da norte-americana Becky G, usada na série La Casa de Papel.
A música ainda aparece em produções como o jogo Far Cry 6, onde se tornou símbolo da luta contra regimes autoritários fictícios.
A sombra do crime e o debate político
O uso de versos de Bella Ciao em munições ligadas ao assassinato de Charlie Kirk provoca perplexidade no meio acadêmico. Para a pesquisadora Diana Garvin, da Universidade do Oregon, trata-se de um “momento de partir o coração”, pois associa um hino de resistência à violência política.
O historiador Stanislao Pugliese observa paralelos com o clima de instabilidade da Itália dos anos 1920:
“Boa parte da classe política atual não compreende a gravidade do momento. Isso pode abrir espaço para novos extremismos, como vimos nos últimos dias.”
Especialistas alertam que os eventos desta semana podem ter alterado para sempre a forma como Bella Ciao será lembrada. Criada como hino de libertação, a canção agora carrega a marca de um episódio de violência que ameaça seu significado histórico.