Em favelas como Alemão, Penha e Maré, crianças do Rio de Janeiro convivem diariamente com tiroteios, operações policiais e o controle de facções criminosas, vivendo uma infância marcada pelo medo, traumas psicológicos e interrupção do direito à educação.
Viver sob constante ameaça de violência virou realidade para milhares de famílias cariocas. Após a megaoperação realizada no final de outubro de 2025, que resultou em mais de 120 mortos, moradores do Alemão e Penha relatam cenas de guerra urbana. Crianças carregam mochilas com kits de sobrevivência que incluem biscoitos, brinquedos, água e abafadores de som para minimizar o impacto dos disparos. Essas práticas mostram como as comunidades se adaptam para tentar proteger os pequenos em meio ao fogo cruzado.
A fisioterapeuta e psicóloga Mônica Cirne, voluntária nestas áreas, afirma que as operações paralisaram atendimentos presenciais e geraram aumento considerável na procura por suporte psicológico. Crianças atípicas registraram convulsões e crises durante os tiroteios, evidenciando o impacto direto da violência no desenvolvimento infantil. A assistente social Rafaela França, do Núcleo de Estimulação Estrela de Maria (Neem), relata que o isolamento escolar se estende por semanas em algumas regiões e que até mesmo os alunos “típicos” sofrem com o trauma causado pela rotina de medo.
De acordo com a psicóloga Edwiges Parra, a vida sob violência intensa obriga as crianças a criarem mapas mentais para evitar áreas perigosas, gerando ansiedade, estresse pós-traumático e outros transtornos emocionais graves que precisam de acompanhamento contínuo. O Instituto Fogo Cruzado contabilizou 14 crianças baleadas no Rio somente em 2025, com quase mil escolas afetadas por tiroteios e interrupções no ano corrente.
Na Maré, por exemplo, a ONG Redes da Maré reportou 37 dias de paralisação escolar em 2024 e nove dias em 2025, além do Projeto Cartas da Maré, que oferece uma voz às crianças para que relatem em desenhos e textos suas experiências sob a violência, buscando sensibilizar o Supremo Tribunal Federal (STF) e a sociedade para a situação da infância nas favelas. Muitas dessas cartas pedem o fim da guerra e o direito ao acesso à educação em segurança.
Organizações humanitárias, como a Visão Mundial, trabalham para que o Brasil implemente protocolos de proteção infantil similares aos de países vizinhos, como Chile e Guatemala, onde programas em zonas de conflito diminuíram os transtornos psicológicos e melhoraram a frequência escolar. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos, cobrou do governador Cláudio Castro a adoção urgente de medidas específicas, desde abrigo seguro para órfãos até ações para punir quem utiliza crianças como escudo humano.


