O Centrão não surgiu como um raio em céu azul durante os governos recentes. Ele é, na verdade, uma resposta estrutural às falhas crônicas do sistema político-partidário brasileiro. Sua história é a história da fragilidade do poder Executivo no Brasil.
Desde a redemocratização, presidentes de todos os espectros ideológicos — do tucano Fernando Henrique Cardoso (FHC) ao petista Luiz Inácio Lula da Silva — enfrentaram o mesmo dilema: como governar um país com um Congresso pulverizado em dezenas de partidos, sem uma maioria estável?
A resposta invariavelmente foi: cedendo ao Centrão.
Esta cronologia detalha as concessões feitas por diferentes gestões, mostrando como o bloco transformou a mera sobrevivência política do Executivo em sua moeda de troca mais valiosa, culminando no desastre que levou ao impeachment de Dilma Rousseff.
FHC: A Consolidação do Bloco e a Era das Privatizações
A consolidação moderna do Centrão como bloco de poder começou, paradoxalmente, com um projeto de modernização liberal. FHC (PSDB, 1995-2002) assumiu com um plano ambicioso de privatizações, que exigia quórum qualificado e apoio maciço no Congresso.
A Moeda de Troca: A Emenda da Reeleição
O ponto de virada foi a polêmica Emenda Constitucional nº 16 (1997), que permitiu a reeleição de presidente, governadores e prefeitos.
Para garantir sua aprovação e abrir caminho para o segundo mandato, FHC precisou comprar o apoio dos partidos mais fisiológicos. O Centrão — que incluía líderes do PFL, PPB e PMDB — cobrou o preço: cargos regionais em estatais e, fundamentalmente, liberação de emendas parlamentares.
O Centrão garantiu a governabilidade e as reformas de mercado de FHC, mas consolidou o princípio de que o apoio não era ideológico; era puramente transacional, baseado na distribuição do cofre público.

Lula: A Troca de Bases e o Início do Mensalão
Quando Lula (PT) assumiu em 2003, ele herdou o sistema FHC, mas com uma dificuldade extra: o PT não tinha a base de partidos conservadores que FHC havia manipulado.
O Salto: Do Campo Ideológico ao Pragmatismo Puro
Para aprovar a primeira grande reforma da Previdência e garantir a estabilidade, Lula precisou fazer uma virada radical: abraçar o Centrão de corpo e alma. O PT, um partido de origem ideológica, teve que engolir o pragmatismo e abrir espaço para líderes como Roberto Jefferson (PTB).
O resultado dessa costura foi o escândalo do Mensalão (2005). O esquema de compra de apoio parlamentar não era um desvio aleatório, mas sim a monetização institucional do custo da governabilidade no Brasil. O Mensalão foi o Centrão cobrando adiantado o preço do apoio, confirmando que a ideologia do bloco se resumia a recursos.
Lula conseguiu manter a estabilidade econômica e social, mas pagou o preço máximo: a primeira grande crise de corrupção da República, cuja raiz estava na necessidade de agradar o Congresso fragmentado.

Dilma: A Ruptura e o Colapso da Negociação
Se FHC e Lula conseguiram domar o Centrão com concessões, o governo de Dilma Rousseff (PT, 2011-2016) demonstrou o que acontece quando a negociação falha.
Dilma tentou, no início, centralizar mais o poder e a execução do orçamento, limitando o espaço de manobra dos líderes fisiológicos do Congresso. Isso foi visto pelo Centrão como uma ameaça existencial.
Eduardo Cunha e a Transformação em Quarto Poder
A ascensão de Eduardo Cunha (PMDB) à presidência da Câmara, em 2015, foi o ponto de inflexão. Cunha, uma liderança clássica do Centrão, transformou a pauta do Congresso em sua arma pessoal.
Ele não apenas exigiu mais cargos e mais verbas; ele usou o poder de aceitar ou rejeitar pedidos de impeachment como a moeda de pressão definitiva. Dilma não conseguiu atender às demandas de Cunha ou de sua base e, sem o apoio do Centrão, o seu mandato foi derrubado.
A lição do impeachment não foi apenas sobre crimes de responsabilidade; foi sobre a indispensabilidade do Centrão. Quando o bloco decide que um presidente é mais caro (ou menos útil) do que um vice-presidente em ascensão, ele tem o poder de derrubar o Executivo.
O Eterno Retorno e a Ponte para Bolsonaro
A história do Centrão de FHC a Dilma é a história de uma força que se aperfeiçoou na arte da sobrevivência. Eles não são de esquerda nem de direita; eles são a direita enrustida no fisiologismo, cuja ideologia é o acesso ao cofre.
Todos os presidentes que buscaram governar sem ou contra o Centrão fracassaram (Itamar, Collor, e Dilma no final). Todos que o abraçaram pagaram um alto preço em concessões e estabilidade fiscal (FHC, Lula).
Essa cronologia mostra a preparação para o que viria a seguir. O Centrão, tendo derrubado um governo, estava no auge do poder e pronto para negociar com o próximo desafiante: Jair Bolsonaro, que, ironicamente, iniciou seu mandato jurando combater esse mesmo bloco. A forma como Bolsonaro se curvou ao bloco em 2020 foi apenas o capítulo mais recente de uma história de mais de 30 anos.
LEIA MAIS: Você compreendeu como o Centrão se tornou indispensável. Agora, aprofunde-se no nosso Artigo: O Poder Inabalável do Centrão e como ele se tornou o freio estrutural que impede o avanço do Brasil.




