Autoritarismo, austeridade, repressão e falsas narrativas: a crise no Equador

O governo de Daniel Noboa no Equador se caracteriza pela implementação de políticas neoliberais de austeridade ditadas pelo FMI, pela repressão violenta dos protestos sociais e por uma série de reformas legais destinadas a aumentar o autoritarismo estatal e alinhar o país com a política externa dos Estados Unidos. Tudo isso ocorre em meio a uma crise de segurança sem precedentes.

Pilar Troya Fernández
Pilar Troya Fernández
Pilar Troya Fernández é equatoriana, antropóloga com mestrado em estudos de gênero e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Foi assessora da Secretaria Nacional de Planejamento,...
O presidente do Equador, Daniel Noboa, durante visita a acampamentos móveis das Forças Armadas em Guayas. (Foto: Mauricio Torres / Presidencia de la República del Ecuador)

A crise de segurança

Durante o primeiro semestre de 2025, o Equador registrou 4.619 homicídios, estabelecendo um novo recorde histórico e representando um aumento de 47% em relação ao mesmo período de 2024. Este número torna o país o mais violento do continente. Ninguém sabe em que consiste o Plano Fénix, implementado pelo governo de Noboa desde 2024, e ele não produziu resultados positivos; pelo contrário, a insegurança piorou. Os constantes estados de emergência que militarizaram o país também não conseguiram reverter a situação.

As políticas de austeridade

- Publicidade -

Reeleito em abril de 2025, Daniel Noboa vem implementando um programa de extrema-direita alinhado com as exigências do FMI. Em junho, demitiu 5 mil funcionários públicos e fundiu quatro ministérios. No caso mais grave, as competências relacionadas ao meio ambiente foram transferidas para o Ministério de Recursos Naturais e Hidrocarbonetos, no que evidencia a orientação extrativista do governo. Essas medidas representam o caminho para o Estado mínimo pregado pelo neoliberalismo e respondem às condições do último empréstimo do FMI.

No dia 12 de setembro, Noboa suspendeu o subsídio ao diesel, cujo preço passou de 1,80 para 2,80 dólares por galão até dezembro. Posteriormente, o preço dependeria de um sistema de taxas vinculadas aos preços do mercado internacional. Essa medida provocou uma paralisação nacional dos trabalhadores do setor de transportes no dia 13 de setembro, que rapidamente chegaram a um acordo com o governo em troca de subsídios, e, posteriormente, a uma greve nacional convocada pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) em 18 de setembro, exigindo a revogação da medida, a redução do IVA (Imposto de Valor Agregado) de 15% para 12%, o fim da mineração, o respeito à consulta prévia e mais investimentos em educação e saúde. Vale ressaltar que os hospitais públicos estão em condições precárias, sem medicamentos nem insumos. A mídia relata casos de pacientes que precisavam de diálise e morreram por falta dela.

Submissão aos Estados Unidos e reformas constitucionais

- Publicidade -

No dia 3 de junho, a Assembleia Nacional, na qual o governo tem maioria, aprovou uma mudança no artigo 5º da Constituição para permitir bases militares estrangeiras no país. Essa modificação exigia a aprovação do Tribunal Constitucional e, posteriormente, um referendo. No dia 5 de setembro, o Tribunal Constitucional rejeitou quatro das oito questões que Noboa havia enviado para consulta popular e referendo, incluindo esta questão.

Leis autoritárias e o Tribunal Constitucional como último bastião

Em junho de 2025, o governo conseguiu aprovar três novas leis enviadas sob o selo da urgência econômica, sem que fossem: de Inteligência, de Solidariedade Nacional e de Integridade Pública. O campo progressista apresentou 23 ações de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional porque elas violam direitos relacionados com a infância e a adolescência, a liberdade de expressão, a intimidade e a privacidade, entre outros. O Tribunal suspendeu provisoriamente 16 artigos dessas leis, provocando uma campanha de descrédito organizada pelo governo, que acusou o Tribunal de deixar o país indefeso diante do crime.

- Publicidade -

A Lei de Solidariedade Nacional buscava institucionalizar a figura do “conflito armado interno” que Noboa utilizou em um decreto em janeiro de 2024. Isso implicava: uso livre de militares em operações policiais; perdão prévio ao pessoal de segurança por potenciais crimes e violações dos direitos humanos; criminalização de organizações opositoras, classificando-as como grupos armados; e tratamento de zonas, bens móveis e imóveis presumivelmente pertencentes a grupos criminosos como alvos militares.

A Lei de Inteligência pretendia permitir a interceptação de qualquer comunicação sem ordem judicial, exigir informações em dois dias sem necessidade de ordem judicial, acessar dados pessoais sem ordem judicial, o retorno das despesas reservadas (fundos discricionários não transparentes) e não manter arquivos de documentos, mas incinerá-los.

No dia 27 de setembro, o Tribunal Constitucional rejeitou definitivamente duas das leis, a de Segurança Nacional e a de Integridade Pública, por serem flagrantemente inconstitucionais.

- Publicidade -

A Corte Constitucional é o único órgão do Estado que o governo de Noboa não controla. A Corte Nacional de Justiça e a Procuradoria Geral do Estado apoiaram o governo por meio de lawfare contra a oposição, especialmente o Revolução Cidadã, partido de Rafael Correa, ao mesmo tempo em que não investigam nenhuma das denúncias de corrupção do atual governo. Entre elas, contratos milionários com empresas de familiares de Noboa, novas concessões de exploração de minérios que também beneficiam seus parentes, 48 geradores comprados para fornecimento de energia elétrica, dos quais 30 não são compatíveis com o sistema equatoriano, e o escândalo do contrato com a empresa norte-americana Progen para o sistema elétrico, pelo qual foram pagos 149 milhões de dólares sem que houvesse quaisquer resultados na rede elétrica, deixando a possibilidade de que os apagões de 14 horas diárias do ano passado se repitam.

Abusos, protestos e repressão

No dia 16 de setembro, em Cuenca, a terceira cidade do país, com 800 mil habitantes, ocorreu a maior marcha ambiental da história do Equador: 100 mil pessoas marcharam contra o projeto de mineração Loma Larga na zona de Quimsacocha, que colocaria em risco as fontes de água para uso agrícola e humano. O projeto havia sido suspenso por um tribunal local por não cumprir os requisitos de consulta prévia e ambiental.

- Publicidade -

No dia 19 de setembro, Noboa ordenou ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), por meio de decreto, que organizasse uma Assembleia Nacional Constituinte sem solicitar o parecer do Tribunal Constitucional, o que constitui uma violação da Constituição e foi interpretado como uma tentativa de golpe de Estado. O Tribunal admitiu cinco ações de inconstitucionalidade e a execução do decreto está bloqueada, embora o CNE tenha rapidamente lançado a convocação para as eleições para a Constituinte.

No momento da publicação deste artigo, a paralisação nacional convocada pela CONAIE continuava após 20 dias, com apoio em várias cidades, especialmente dos estudantes. Os bloqueios de estradas, protestos e paralisações se estendem por todo o país, com ainda mais força na região da Serra, onde o movimento indígena é o principal ator do campo popular.

Tanques e veículos militares reprimiram os protestos na província de Imbabura, chegando a atirar contra comunidades indígenas desarmadas. A ministra de Governo, Zaida Rovira, disse que se tratava de um comboio humanitário “emboscado por organizações terroristas”. O tal comboio chegou sem aviso prévio, enquanto toda a comunicação pela internet era interrompida; e não há nenhum grupo terrorista conectado ao caso. Efraín Fuérez morreu em uma área próxima, nas mãos dos militares. Um jornalista espanhol que reportava da área, Lautaro Bernat, foi deportado.

- Publicidade -

Há pelo menos 100 pessoas detidas e 10 desaparecidas. Doze detidos foram enviados no dia 26 de setembro para uma prisão de segurança máxima, onde no dia anterior houve um massacre prisional que causou a morte de 17 pessoas. Massacres que se repetem, mesmo com as prisões sob controle militar desde 2024. Essas pessoas foram falsamente acusadas de terrorismo e de ter antecedentes criminais. O governo bloqueou, sem mandado judicial, contas bancárias de líderes e organizações populares, alegando, sem provas, que o financiamento da greve vem da organização venezuelana narcotraficante “Tren de Aragua”.

O ex-presidente da CONAIE, Leonidas Iza, líder dos levantes de 2019 e 2022, sofreu um ataque à sua vida por parte de agentes da Direção Nacional de Inteligência no dia 18 de agosto de 2025. Quatro crianças de um subúrbio de Guayaquil foram torturadas e executadas extrajudicialmente por militares em dezembro de 2024. O nível de autoritarismo é tamanho que o próprio Departamento de Estado dos Estados Unidos o denuncia em um relatório que aponta graves violações dos direitos humanos no Equador entre 2024 e 2025. Relatórios internacionais mostram que, desde 2024, aumentaram os crimes de abuso no exercício do serviço, tortura, desaparecimento forçado e execução extrajudicial.

A resposta de Noboa à rejeição das duas leis pela Corte Constitucional foi, no dia 30 de setembro, o envio de uma nova lei de urgência econômica para facilitar doações para a Polícia Nacional e as Forças Armadas.

- Publicidade -

Não há nenhuma negociação com os atores em greve. Diante das demandas por mais democracia e investimento estatal, o governo responde com austeridade, aumento da repressão e uma estratégia de comunicação que busca estabelecer a falsa narrativa de que todas as pessoas que protestam são criminosas e/ou terroristas. Nessa linha, no dia 8 de outubro, os militares da escolta presidencial, após atacarem uma manifestação de indígenas na província de Cañar, quebraram as janelas dos veículos da comitiva presidencial para depois dizer que se tratava de uma tentativa de assassinato do presidente. Seria a primeira vez que se tentaria assassinar um presidente atirando pedras numa comitiva presidencial protegida por militares, policiais e segurança privada, cientes do protesto dias antes.

Biografia do autor: Este artigo foi produzido pela Globetrotter. Pilar Troya Fernández é equatoriana, antropóloga com mestrado em estudos de gênero e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Foi assessora da Secretaria Nacional de Planejamento, assessora da Secretaria Nacional de Educação Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação e subsecretária-geral de Educação Superior no Equador. Atualmente, reside no Brasil.

Fonte: Globetrotter

- Publicidade -
- Publicidade -
Pilar Troya Fernández é equatoriana, antropóloga com mestrado em estudos de gênero e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Foi assessora da Secretaria Nacional de Planejamento, assessora da Secretaria Nacional de Educação Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação e subsecretária-geral de Educação Superior no Equador. Atualmente, reside no Brasil.