DC-BRASÍLIA – Por JR Vital – Na próxima segunda-feira, 7 de julho, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, receberá representantes da oposição bolsonarista para discutir, ainda que sob o véu da ambiguidade, o retorno da proposta de anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023. À primeira vista, trata-se de mais uma negociação parlamentar rotineira. Mas seria ingenuidade política não reconhecer no gesto uma gravíssima inflexão institucional — um sintoma evidente da erosão deliberada da democracia brasileira.
Motta, quadro ascendente do Republicanos, sigla que abriga o conservadorismo fisiológico com apetite orçamentário e vocação para o disfarce ideológico, apresenta-se como interlocutor da “moderação”. Mas ao acolher em sua agenda os líderes da extrema direita, opera, de fato, como artífice da anistia seletiva. Trata-se de mais do que um encontro: é uma concessão. E concessões, quando feitas ao autoritarismo, não são negociações — são pactos de sobrevivência que custam a memória institucional da Nação.
Não se trata apenas de debater a legalidade do perdão, mas de encarar a realidade incontornável: o centrão, bloco ao qual Motta pertence, é hoje a forma civilizada da extrema direita no Brasil. Um bolsonarismo em traje social, capaz de dialogar com o Planalto pela manhã e com seus algozes à noite. É um campo híbrido, volátil e desprovido de doutrina, mas que partilha, em essência, o mesmo objetivo da extrema direita ruidosa: a manutenção de privilégios, a impunidade dos poderosos e a sabotagem silenciosa das reformas estruturais.
Essa mesma articulação que hoje fala em “anistia aos manifestantes que não planejaram” é a que, meses atrás, sabotou a taxação de super-ricos sob a falsa alegação de proteger os pobres — como fez o próprio Hugo Motta, ao distorcer publicamente os efeitos do IOF. A retórica da “inclusão dos excluídos” tem servido, com frequência perversa, para proteger os mais influentes.
A ambiguidade do momento exige atenção redobrada. Enquanto o Ministério Público Federal apresenta novas denúncias contra 225 envolvidos nos atos terroristas de janeiro, parlamentares trabalham nos bastidores para apagar rastros e reescrever a narrativa. A história, que deveria ser registrada com rigor e responsabilidade, corre o risco de se tornar apenas mais um capítulo de conveniência política.
A anistia — mesmo que parcial, mesmo que “negociada” — legitima o crime ao atribuir-lhe uma zona cinzenta de aceitabilidade. Abre um precedente perigoso, sobretudo num país com tradição de pactos de elite que sufocam o povo e relativizam a verdade. Se os cúmplices do 8 de janeiro forem absolvidos sob o manto da benevolência legislativa, o recado será claro: atacar a democracia é tolerável, desde que se faça com discrição ou sem planejar.
O Brasil não pode ser uma república de conivências. O gesto de Hugo Motta, por mais protocolar que pareça, tem implicações de fundo. Ao permitir que o Congresso flerte com a anistia a golpistas, ele coloca em risco o futuro da ordem constitucional e entrega ao bolsonarismo — ainda que envergonhado — uma sobrevida estratégica.
É preciso nomear o perigo com precisão. O centrão não é neutro. Ele é o catalisador silencioso da direita radical, seu fiador parlamentar e seu operador invisível. Em tempos de crise democrática, fingir moderação é o disfarce mais eficaz do extremismo.
Na segunda-feira, a democracia brasileira não enfrentará apenas uma reunião de líderes oposicionistas. Enfrentará, de novo, o dilema de sua própria sobrevivência.
JR Vital é colunista do Diário Carioca e analista político em Brasília.