Memórias para o futuro

Para começar nossa conversa…

A Zona Oeste de hoje, o Sertão Carioca de ontem, de tantos conflitos, projetos, possibilidades e histórias

LEONARDO SOARES DOS SANTOS
por
Leonardo Soares dos Santos
Professor Associado 4 do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense/ Campos dos Goytacazes. Também realizei na UFF meu mestrado (2005) e doutorado (2009) em História....
Fazenda do Engenho Dágua. À esquerda, o viaduto inicial da Linha Amarela

Sou nascido e criado em Gardênia Azul. A história da localidade nunca havia sido para mim um tema, digamos, caro. Mas sempre ouvi as histórias contadas pelos meus familiares mais antigos, como minha avó e tia (tia Maria, a mais velha das minhas tias) e amigos da família com certa idade; ouvia tudo com interesse, mas sem muito fascínio. 

Alguns anos depois acabei decidindo fazer o curso de história na universidade (UFF). Relato isso porque não acho que essas histórias ouvidas na infância tiveram alguma influência na minha decisão. Penso sim, que esta, a decisão por história, foi em muito motivada pelo interesse pelo tema que estava presente desde quando aprendi a ler. Sempre fui voraz leitor de Histórias, mas aquelas contadas nos livros, as que contavam a história de civilizações, nações, grandes personagens, reis, rainhas, ditadores etc. – não sabia ainda, mas o que me despertava atenção ali era a história dos grandes vultos, um tipo de narrativa super tradicional e factual, portanto.

Tudo mudaria com a minha entrada no curso de História da UFF em 1998. Uma experiência que me fez aprender muito sobre temas da historiografia (nacional e internacional), claro, e sobre diversos outros temas como filosofia, ciências sociais, geografia, pedagogia, literatura. Mas uma das primeiras coisas que aprendi efetivamente foi o quanto era ultrapassada a perspectiva da história factual – esse era o primeiro ensinamento do manual de História daqueles anos 90. Com muito custo, porque isso também não era simples para o jovem cuja educação se deu bem longe de escolas de elite, comecei a entender a história como processo.

Parque Isabel Domingues, na Gardênia Azul
Parque Isabel Domingues, na Gardênia Azul – Foto: Beth Santos/Prefeitura do Rio

E eis que na metade do curso comecei a pensar num possível tema de pesquisa para o meu trabalho de final de curso (que chamávamos simplesmente de “monografia”). A Comuna de Paris e sua repercussão no Brasil, e, a Cabanagem foram temas que cheguei a cogitar. Porém, essa busca pelo tema do TCC coincidiu com a obtenção de uma bolsa de pesquisa do CNPQ para participar de um projeto coordenado pela professora Marcia Maria Menendes Motta sobre conflitos de terra em Maricá do Século XIX. Foi uma experiência em pesquisa excepcional, e foi logo na primeira experiência desse tipo que descobri o que realmente queria fazer na vida, foi ali que me encontrei. Passados alguns meses, um ano para ser mais exato, combinei com a professora Márcia de elaborar um projeto sobre o mesmo tema (luta por terra) mas com outro recorte espacial (outra localidade). E foi então que decidi aprofundar o estudo sobre um território tão caro a mim: a região em que nasci – Jacarepaguá. Contudo, com poucas semanas de estudo e levantamento de fontes primárias decidi realizar um ajuste na definição da área a ser estudada: resolvi que deveria fazer uma pesquisa sobre a Zona Oeste inteira, que naquele tempo (estou falando do ano de 2001) ainda tinha vastas porções de caráter rural e onde existia incontáveis casos envolvendo disputas de terras. Imaginei logo que havendo tantos conflitos naquele momento, o que imaginar de uma época mais remota, como o século XIX? Nem precisei recuar tanto: a descoberta de uma reportagem dando conta da explosão de um conflito fundiário em Pedra de Guaratiba em julho de 1951 me fez definir o período da pesquisa – ela se daria cobrindo os anos de 1945 a 1964. Intervalo compreendido pelo fim de uma ditadura e início de outra, que possibilitaria reconstituir uma ampla gama de casos de disputas por terra em diversas localidades da antiga zona rural carioca e que, por sinal, ainda não se chamava Zona Oeste, e sim, Sertão Carioca.

E assim, naquele – agora posso dizer – longínquo ano de 2001, que cheguei ao estudo de um território que sempre vivi, a Zona Oeste de hoje, o Sertão Carioca de ontem, de tantos conflitos, projetos, possibilidades e histórias. 

E sobre tudo isso e mais um pouco que passarei a escrever nesse espaço oferecido pelo Diário Carioca.

Seguimos!

Professor Associado 4 do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense/ Campos dos Goytacazes. Também realizei na UFF meu mestrado (2005) e doutorado (2009) em História. Minhas pesquisas versam basicamente sobre as relações entre o espaço rural e urbano e suas implicações em termos de políticas públicas e configuração de grupos sociais. Sou pesquisador do Instituto Histórico-Geográfico da Baixada de Jacarepaguá e editor-chefe da Revista Convergência Crítica.