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Ciganos cobram inclusão no Censo e políticas públicas

Brasília – Invisíveis desde o século 16

Enquanto o Brasil ainda tropeça na própria arrogância colonial, os povos ciganos — ou povo romani — seguem invisíveis aos olhos do Estado. Com uma estimativa populacional entre 800 mil e 1 milhão de pessoas, essas comunidades exigem algo elementar: serem contadas, reconhecidas e respeitadas.

Sim, em pleno 2025, há brasileiros que sequer existem oficialmente para o governo. Sem nome no Censo, sem dados, sem políticas. E, sem políticas, sem direitos. É disso que se trata.


Ciganos e o apagamento estatal

Há pelo menos 450 anos, os povos romani habitam o Brasil. Foram trazidos à força por degredo — o mesmo tratamento dado a criminosos — e seguiram sendo tratados como ameaça. A memória da violência é ancestral e persistente.

Durante o Império e a República, ciganos foram perseguidos, expulsos, criminalizados e, frequentemente, massacrados. Um dos episódios mais brutais — conhecido como “correrias ciganas” — envolvia invasões policiais em acampamentos, resultando em mortes, prisões arbitrárias e o terror como norma.

Portugal e Espanha proibiam os ciganos de falar sua língua, de se estabelecer, de exercer seus ofícios. No Brasil, isso se manteve”, lembra o multiartista Aluízio de Azevedo, da etnia calon. Segundo ele, o Estado brasileiro manteve o modus operandi colonial, como se a independência tivesse sido só simbólica para certos povos.


Estatuto parado e políticas ignoradas

Apesar de serem um dos 28 povos tradicionais reconhecidos pelo Decreto nº 8.750/2016, os ciganos ainda esperam por um Estatuto dos Povos Ciganos. O Projeto de Lei 1.387/22, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), está parado na Câmara dos Deputados — travado, como quase tudo que diz respeito a quem não se encaixa no ideal branco, cristão e urbano da elite política brasileira.

A luta pelo estatuto é também a luta por uma política de Estado que vá além da retórica vazia do multiculturalismo. Como disse o ativista Claudio Iovanovitchi, da Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci): “Não queremos reinventar a roda. Queremos acesso à escola, saúde, moradia. Só isso.


Plano Nacional ainda no papel

Em agosto de 2024, o governo federal lançou o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos, que vai de 2024 a 2027 e tem um comitê gestor responsável por acompanhar sua execução. A iniciativa foi celebrada como histórica — o Brasil se tornou o segundo país do mundo a implementar um plano exclusivo para o povo romani.

O plano prevê dez objetivos: do combate ao anticiganismo ao reconhecimento do direito à territorialidade, passando por educação, saúde, documentação, soberania alimentar, trabalho e cultura.

Mas papel aceita tudo. A realidade, não. Sem orçamento garantido, sem execução concreta e com o Congresso hostil aos direitos das minorias, o plano corre o risco de virar apenas mais um documento decorativo.


Invisibilidade e racismo estrutural

A ausência dos ciganos no Censo do IBGE é mais do que uma falha técnica: é uma política de apagamento. Sem estatísticas, não há políticas públicas específicas. E, sem políticas, o ciclo de exclusão se perpetua.

Nosso sangue é vermelho como o dos outros. Também sentimos fome, dor, alegria. Somos seres humanos comuns”, afirma Wanderley da Rocha, presidente da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec). Mas o Estado brasileiro ainda insiste em tratá-los como exceção, como folclore exótico ou ameaça anacrônica.

Para o antropólogo Felipe Berocan Veiga, da UFF, o preconceito contra os ciganos está enraizado no inconsciente coletivo ocidental: mitos, fábulas e lendas reforçam a imagem do cigano como perigoso, enganador ou ladrão. A ficção vira justificativa para a violência real.


Quem são os povos ciganos?

No Brasil, os principais grupos romani são os calon, os rom e os sinti. Apesar das diferenças culturais e históricas entre eles, enfrentam os mesmos obstáculos: racismo, estigmatização, pobreza e ausência de políticas públicas estruturantes.

Segundo o IBGE, a última contagem estimada foi feita com base em extrapolações imprecisas. O povo romani é simplesmente ignorado nas estatísticas oficiais. Não existe oficialmente. Como exigir direitos de um Estado que não reconhece sua existência?


O Carioca esclarece

Quem são os povos ciganos no Brasil?
São grupos tradicionais como calon, rom e sinti, que vivem no país há mais de quatro séculos e seguem invisibilizados pelo Estado.

Por que os ciganos exigem inclusão no Censo?
Porque, sem dados oficiais, não existem políticas públicas específicas e eficazes voltadas a suas realidades.

O que é o Estatuto dos Povos Ciganos?
É um projeto de lei que busca garantir direitos constitucionais aos povos romani, hoje negados na prática.

Como o racismo contra ciganos se manifesta?
Por meio da exclusão histórica, estigmatização cultural, perseguições policiais e ausência de políticas públicas.

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Redacaohttps://www.diariocarioca.com
Equipe de jornalistas do Jornal DC - Diário Carioca

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