O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta segunda-feira (13), em Roma, que “a fome é irmã da guerra” e que ambas caminham lado a lado na destruição de vidas e na negação da dignidade humana. A declaração foi feita na abertura do Fórum Mundial da Alimentação, organizado pela FAO — Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura — e pela Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
“Seja ela travada com armas e bombas ou com tarifas e subsídios”, disse Lula, destacando que o mundo vive uma era em que a política e a economia transformam alimentos em armas e desigualdade em ferramenta de poder.
O chefe de Estado brasileiro criticou o impacto das guerras, das sanções econômicas e das barreiras comerciais que desorganizam cadeias de produção e aumentam a fome global.
“Conflitos armados, além do sofrimento humano e da destruição da infraestrutura, desorganizam cadeias de insumos e alimentos. Barreiras e políticas protecionistas de países ricos desestruturam a produção agrícola no mundo em desenvolvimento.”
Crise humanitária e abandono do multilateralismo
Durante o discurso, Lula relacionou as crises atuais — da tragédia em Gaza à paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC) — à falência das instituições internacionais criadas para promover equilíbrio e solidariedade.
“A fome tornou-se sintonia do abandono das regras e das instituições multilaterais”, alertou o presidente.
Para ele, o acesso a alimentos continua sendo um recurso de poder e um espelho das desigualdades globais.
“Não há como dissociar a fome das desigualdades que dividem ricos e pobres, homens e mulheres, nações desenvolvidas e nações em desenvolvimento.”
Segundo dados citados no discurso, o mundo produz comida suficiente para alimentar uma vez e meia toda a população mundial, mas 673 milhões de pessoas ainda enfrentam insegurança alimentar — uma contradição que Lula apontou como “o retrato moral do fracasso coletivo”.
Brasil fora do Mapa da Fome e o exemplo latino-americano
Lula celebrou o anúncio da FAO de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome, resultado de políticas públicas de combate à pobreza e fortalecimento da agricultura familiar.
“Em 2024, alcançamos a menor proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar grave da nossa história”, afirmou.
O presidente destacou também a redução do número de famílias com crianças menores de cinco anos em situação crítica e classificou o avanço como um ato de soberania nacional.
“Estamos interrompendo o ciclo de exclusão. Um país soberano é um país capaz de alimentar seu povo.”
Programas como o Bolsa Família, o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o fortalecimento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foram mencionados como pilares da recuperação do país após os retrocessos sociais de governos anteriores.
Multilateralismo e papel da FAO
Ao lembrar os 80 anos da FAO, Lula exaltou o papel do multilateralismo na construção de respostas globais à fome e à pobreza.
“Não deixa dúvidas de que o mundo seria um lugar pior sem o multilateralismo”, disse.
“Graças à FAO, um número crescente de países reconheceu o direito à alimentação em sua legislação.”
O presidente recordou que há dez anos participou da celebração dos 70 anos da entidade, quando o mundo vivia o entusiasmo da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Hoje, segundo ele, a realidade é mais dura.
“Tanto nossa capacidade de agir coletivamente quanto o otimismo que nos animava estão abalados. Os desafios se aprofundaram, mas não temos alternativa senão persistir. Enquanto houver fome, a FAO permanecerá indispensável.”
A fala foi recebida com aplausos e interpretada por diplomatas como um chamado à reconstrução da solidariedade internacional, num momento em que a fome volta a crescer na África, na Ásia e até em partes da Europa.
