Para enfrentar a dolarização forçada de sua economia, um novo imposto começou a ser cobrado na Venezuela. Um projeto de reforma de lei aprovado pelo Congresso deu origem ao novo IGTF (Imposto sobre Grandes Transações Financeiras), que já incidia sobre o bolívar desde 2015, mas que agora prevê a cobrança de uma taxa de 3% sobre o valor total de compras realizadas em moedas estrangeiras ou em criptomoedas não emitidas pelo Estado.
O Brasil de Fato tem acompanhado a aplicação prática e as consequências econômicas do tributo desde que ele entrou em vigor, no último dia 28 de março.
Segundo autoridades venezuelanas, a medida tem como objetivo incentivar o uso do bolívar e desestimular a preferência por transações em dólares, já que os pagamentos na moeda local estão isentos da nova taxa.
De acordo com o economista e deputado federal Tony Boza (PSUV), o esforço servirá para resgatar a confiança na moeda local, após anos de intensa desvalorização frente ao dólar gerada por ataques dos EUA através das sanções e do bloqueio econômico.
"O uso do bolívar havia sido substituído, muitos estabelecimentos praticamente chegaram, em algum momento, a não querer receber a moeda local. Diante dessa realidade, o Legislativo optou por uma maneira de fortalecer o uso do bolívar castigando, do ponto de vista pecuniário, o uso de divisas", afirma.
O deputado ainda explica que consumidores que utilizarem a moeda nacional seguirão pagando a mesma alíquota que já funciona desde 2018 - 2% sobre o valor da compra - e que contas bancárias nacionais em dólares também estarão isentas, uma vez que pagamentos com cartões de débito são computados em bolívares para os comerciantes.
"Todo mundo que utiliza dólares e pensa em economizar esse 1% vai depositar esses dólares no banco, utilizar o cartão de débito e assim estaria usando a moeda de curso legal, mas debitando da conta em divisas [estrangeiras]. Assim se cumpre a norma, mas, ao mesmo tempo, não se paga o novo imposto", diz Boza.
Aprovado pela Assembleia Nacional venezuelana em fevereiro, o novo IGTF também vai incidir sobre pagamentos feitos com as chamadas carteiras digitais, como ATM e Paypal, e com qualquer criptomoeda que não seja o Petro, a moeda digital emitida pela Venezuela.
Desde que entrou em vigor, o IGTF tem funcionado com a alíquota de 3%, que pode ser alterada pelo Executivo, podendo chegar ao mínimo de 2% e ao máximo de 20%.
"Os que agem à margem do sistema bancário podem ser taxados em até 20%, ou seja, quem utiliza dólares para comprar bens na fronteira, fazer contrabando ou algum tipo de atividade ilícita, serão taxados em até 20%, mas esse alíquota ainda não foi implementada, isso é o limite”, explica o deputado governista.
Outros economistas, entretanto, argumentam que a tarifa pode afetar o poder aquisitivo da população que faz uso de moedas estrangeiras, principalmente o dólar, para comprar itens básicos, como alimentos e medicamentos.
Para o economista e pesquisador Manuel Sutherland, o imposto representa uma tentativa "muito rudimentar e brusca" de obrigar as pessoas a usarem a moeda nacional e vai "afetar a vida diária dos venezuelanos, dificultando operações que deveriam ser simples".
"Um mamão que custa 1 dólar já pode ser considerado parte do IGTF e deve pagar um imposto de 3%. Isso é completamente insólito, porque evidentemente a compra de uma cerveja ou de um mamão não é uma grande transação financeira, mas sim uma transação comercial", afirma.
Segundo a Comissão Permanente de Economia e Finanças da Assembleia Nacional, comércios populares e pequenos negócios estão isentos da cobrança do tributo. Para que um estabelecimento comercial seja considerado apto a cobrar o IGTF, ele deverá ser classificado pelo governo como um "sujeito passivo especial", e a lista poderá incluir desde grandes redes de supermercados até farmácias, a depender do faturamento mensal da empresa.
Inflação em queda e recuperação monetária
A implementação do IGTF vem em meio a tentativas do governo do presidente Nicolás Maduro de estabilização econômica, após o país ter deixado um estado de hiperinflação e ampliado a produção petroleira, principal fonte de divisas.
O pagamento do tributo, argumenta o governo venezuelano, também faz parte de um esforço para resgatar o bolívar que, segundo a vice-presidente e ministra da Economia, Delcy Rodríguez, apresentou uma recuperação de 6% entre julho de 2021 e fevereiro de 2022.
Para Boza, a desvalorização da moeda nacional é uma consequência dos ataques feitos pelos Estados Unidos que, junto com sanções e com o bloqueio econômico, manipularam a taxa de câmbio da divisa venezuelana.
"Quando um país como os Estados Unidos quer subjugar, quer coagir a ação de outro país, obrigar que tome decisões favoráveis a seus interesses por vias coercitivas, como eles fizeram nos últimos anos, eles utilizam o mecanismo da taxa de câmbio, que expressa valor, mas que não é valor em si, e o utilizam para deteriorar e atacar nossa moeda", argumenta o deputado.
Após uma reforma monetária que cortou seis zeros da moeda e uma injeção por parte do Banco Central de US$ 50 milhões na economia, a cotação do bolívar frente à moeda norte-americana tem apresentado certa estabilidade e praticamente se equiparado ao câmbio paralelo. No início de abril deste ano, um dólar estava custando cerca de 4,40 bolívares, de acordo com a taxa de câmbio do Banco Central.
Além disso, desde setembro de 2021, a Venezuela vem registrando uma inflação mensal de apenas um dígito, alcançando em março deste ano o menor índice mês a mês desde 2012, quando marcou uma variação de 1,4%.
Para Sutherland, apesar dos indicadores positivos, o país ainda precisa recuperar sua capacidade produtiva, se livrar das características rentistas estimuladas pela indústria petroleira e atacar o problema da inflação com ações macroeconômicas que caminhem junto com a luta pelo fim das sanções.
"O governo controlou a taxa de câmbio, isso é muito bom. A inflação diminuiu e se considera que desde janeiro não há mais hiperinflação, muito bom. Entretanto, a inflação ainda é muito alta, é a inflação mais alta do mundo, é uma inflação que poderia ser controlada com medidas ortodoxas, com a diminuição de emissão de dinheiro sem lastro e com um plano de estabilização macroeconômica central", diz o pesquisador.
Boza, por sua vez, também vê na retomada da produção nacional um passo importante para a recuperação econômica, mas aposta no modo de produção socialista e na capacidade produtiva das comunas para reverter a crise no país.
"Devemos apostar na produção, mas uma produção em termos socialistas, porque o contrário foi o que aconteceu nos últimos 100 anos, ou seja, todo o processo produtivo não pode ser reinvestido porque a demanda interna tem limites, mesmo quando o salário se eleva a limites aceitáveis dentro da Constituição, sempre vai existir esse limite imposto pelo capitalismo", afirma.
Edição: Thales Schmidt
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