A Câmara dos Deputados acaba de aprovar a PEC da Blindagem que retoma um dos capítulos mais sombrios da história política brasileira: a era em que o Congresso protegeu criminosos condenados por formação de grupo de extermínio, homicídio, corrupção e até receptação de veículos roubados. Entre 1988 e 2001, deputados e senadores barraram 253 pedidos de abertura de processos enviados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — autorizando apenas uma ação penal em 13 anos.
Os casos revelam um padrão de impunidade sistêmica que agora ameaça retornar. Parlamentares acusados de mandar motosserras contra adversários, comandar milícias e desviar milhões foram protegidos pela mesma regra que a PEC da Blindagem quer restabelecer: a necessidade de autorização prévia do Congresso para processar criminosos de colarinho branco.

Os casos que chocaram o país — e foram abafados
Dentre os 253 processos travados, destacam-se crimes de extrema gravidade que jamais foram julgados graças à blindagem congressual:
- Hildebrando Pascoal (AC): Acusado de comandar um grupo de extermínio que utilizava motosserras para executar vítimas no Acre. Dois pedidos do STF foram arquivados pela Câmara. Anos depois, foi condenado a mais de 100 anos de prisão — já fora do cargo.
- Nobel Moura (RO): Investigado por tentativa de homicídio contra um caminhoneiro e posteriormente condenado como mandante do assassinato do radialista Marinaldo de Souza. A Câmara rejeitou o parecer que permitiria seu processamento.
- Valdemar Costa Neto (PL): Atual presidente do PL e chefe da oposição bolsonarista, teve três processos travados pela Câmara durante seu mandato. Hoje, ameaça “parar o Senado” para aprovar anistia a Jair Bolsonaro.
O único caso aprovado: receptação de veículo
A exceção que confirma a regra foi o caso do deputado Jabes Rabelo (RO), autorizado a ser processado em 1991 por receptação de um caminhão roubado. A Câmara aprovou a ação por 366 votos a 35 — mas meses depois cassou Rabelo por envolvimento com tráfico de drogas e falsificação de documentos.
Ou seja: mesmo no único caso em que agiu, o Congresso falhou em frear um criminoso que continuou agindo até ser cassado por crimes ainda mais graves.
Os autores da blindagem que se beneficiaram dela
Ironia histórica: o então senador Ronaldo Cunha Lima (PB), autor da PEC que acabou com a autorização prévia em 2001, havia sido beneficiado pela mesma regra anos antes. Ele teve dois pedidos de investigação por tentativa de homicídio contra o ex-governador da Paraíba barrados pelo Senado. Só foi processado após deixar o cargo.
Por que a PEC da Blindagem é um retrocesso perigoso
Os números falam por si: entre 1988 e 2001, o Congresso autorizou 0,4% dos processos encaminhados pelo STF. Isso não é “proteção parlamentar” — é proteção à criminalidade.
A proposta aprovada pela Câmara nesta semana não é uma novidade: é a volta de um mecanismo que comprovadamente serviu para abrigar corruptos, milicianos e assassinos. Se aprovada no Senado, a PEC não blindará “parlamentares”; blindará criminosos.
Com informações do G1