Em sigilo, Governo Bolsonaro lidera em viagens secretas pagas com dinheiro público

Sob o manto da “segurança institucional”, governo Bolsonaro ocultou dados em 16% das viagens oficiais — o maior índice em uma década

JR Vital
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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por...
Jair Bolsonaro e Michelle - Isac Nóbrega/PR

1º de junho de 2025, Brasília (DF) — Um levantamento revela o que a retórica do “governo transparente” sempre tentou esconder: Jair Bolsonaro, durante sua presidência, foi o campeão em utilizar recursos públicos para viagens com informações ocultadas do cidadão.

Entre 2014 e abril de 2025, ao menos R$ 3,5 bilhões foram consumidos em deslocamentos oficiais de servidores cujos nomes, cargos e destinos foram mantidos sob sigilo.

O percentual de opacidade no governo Bolsonaro impressiona: 16% das viagens tiveram dados censurados, mais do que qualquer outro governo no período.

Enquanto clamava por “liberdade” e “fim do sistema”, Bolsonaro e sua máquina administrativa seguiram um padrão de ocultamento sistemático, violando o espírito da Lei de Acesso à Informação (LAI) e jogando uma névoa sobre o uso de diárias e passagens em nome do Estado. A justificativa? A sempre conveniente “segurança institucional”.

Viagens secretas, cofres abertos

Segundo os dados do Portal da Transparência, analisados pela Folha de S.Paulo, R$ 2,8 bilhões foram desembolsados em diárias a servidores não identificados, enquanto outros R$ 712 milhões foram utilizados em passagens aéreas também sem clareza sobre o itinerário ou objetivo do deslocamento. Não se trata de meros erros administrativos ou casos isolados: o sigilo foi aplicado com frequência e consistência, indicando uma política de opacidade deliberada.

A própria Controladoria-Geral da União (CGU) já havia alertado sobre o uso excessivo do sigilo como instrumento político — um mecanismo de blindagem que, longe de proteger o interesse público, serve para obscurecer possíveis abusos de poder, favorecimentos e até investigações sensíveis.

Governo Lula também registra sigilos, mas em menor escala

A gestão atual de Luiz Inácio Lula da Silva não está isenta de críticas: até abril de 2025, 15% das viagens oficiais também registraram informações reservadas. No entanto, segundo nota oficial da Presidência da República, os critérios seguem “estritamente a legislação vigente” e se referem, sobretudo, a deslocamentos da comitiva presidencial, com risco potencial à segurança do chefe de Estado.

Ainda assim, é legítimo questionar: quem define o que é sensível? E, mais importante, quem fiscaliza essa definição? Em um país corroído por décadas de desinformação, abusos de poder e desconfiança institucional, o uso político do sigilo fragiliza ainda mais a transparência e a democracia.

Governo Dilma e Temer também recorreram ao véu do sigilo

O levantamento também mostra que a presidência de Dilma Rousseff (PT) registrou 12% de viagens com dados omitidos, enquanto Michel Temer (MDB) aplicou sigilo em 11%. Embora os números sejam menores que os de Bolsonaro e semelhantes aos de Lula, o padrão revela uma estrutura institucional que normaliza o segredo em detrimento da fiscalização popular.

A LAI, sancionada em 2011 justamente para combater esse tipo de obscurantismo, estabelece que o sigilo só pode ser aplicado de forma “excepcional, temporária e justificada”. Contudo, na prática, o instrumento tem sido amplamente desvirtuado por sucessivas administrações — com Bolsonaro elevando essa prática à condição de estratégia permanente de governo.

Militarização, espionagem e o fantasma do “interesse nacional”

Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, as Forças Armadas e os órgãos de inteligência federal foram instrumentalizados como guardiões da opacidade, blindando não só os deslocamentos presidenciais, mas também de assessores, ministros e militares em cargos civis. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), por exemplo, foi usada para justificar a ausência de informações em viagens que sequer tinham relação com segurança nacional.

O sigilo, nesse contexto, não é apenas um escudo, mas uma ferramenta de guerra simbólica: o Estado passa a se proteger do próprio povo, como se a prestação de contas fosse uma ameaça e não um dever democrático.

Cidadania cega, gastos livres

Enquanto milhões de reais saíam dos cofres públicos, a sociedade civil permaneceu às cegas. Não se sabe, por exemplo, quem se beneficiou dessas viagens, qual foi o resultado dos deslocamentos, nem se havia propósito legítimo em cada missão. Essa neblina institucional abre espaço para fraudes, conluios, nepotismo e tráfico de influência — riscos reais em um país com histórico de escândalos envolvendo verbas públicas e falta de accountability.

É hora de repensar os limites do sigilo no serviço público

O Brasil precisa decidir se vai continuar aceitando o sigilo como um poder discricionário irrestrito ou se finalmente estabelecerá limites claros e mecanismos eficazes de controle social e jornalístico. A falta de fiscalização sobre viagens oficiais é só a ponta do iceberg. O mesmo padrão se aplica a licitações, contratos, relações exteriores e informações orçamentárias.

A democracia exige mais do que eleições regulares: requer transparência radical, especialmente quando os recursos em jogo ultrapassam os bilhões — como neste caso.

No governo Bolsonaro, a escuridão foi a regra — e a viagem, paga por nós.


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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.