Moraes ordena que PF interrogue Mourão sobre ligação de Bolsonaro

Bolsonaro é suspeito de tentar influenciar fala de seu ex-vice no inquérito do golpe de Estado

Brasília, 3 de junho de 2025 – O cerco institucional em torno de Jair Bolsonaro se estreita. Por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal terá 15 dias para ouvir o senador Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República, sobre uma ligação recebida do ex-mandatário antes de seu depoimento no inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

A ordem foi emitida nesta segunda-feira, 2 de junho de 2025, e acata solicitação direta da Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou o contato telefônico uma potencial tentativa de obstrução de justiça. Segundo a PGR, Bolsonaro teria orientado Mourão a reforçar determinados pontos estratégicos, sobretudo a alegação de que nunca houve, da parte do ex-presidente, qualquer sugestão ou menção a ruptura institucional.

Bolsonaro mira narrativa e tenta blindagem judicial

A investida de Bolsonaro parece ter um objetivo claro: manipular o eixo narrativo de seus aliados investigados, criando uma versão “palatável” do golpe de Estado fracassado. Mourão, que ocupou a vice-presidência durante o governo Bolsonaro, confirmou a ligação ao portal Metrópoles, mas tentou minimizar o teor da conversa, afirmando que o ex-presidente apenas “sugeriu” ênfases em sua fala, sem pressões explícitas.

A tentativa de interferência, no entanto, contraria frontalmente os termos do inquérito que corre no STF, que já conta com colaborações premiadas de figuras-chave como o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e um dos principais pivôs da articulação golpista.

Contradições com delação de Mauro Cid geram novas suspeitas

Em seu depoimento, prestado no final de maio, Mourão afirmou nunca ter ouvido Bolsonaro defender qualquer ruptura institucional. Disse também que não sofreu monitoramento por parte dos militares envolvidos na conspiração.

O problema: essas declarações entram em rota de colisão com a delação de Mauro Cid, que apontou o general como uma das figuras visadas pela ala radical do Exército que operava nos bastidores para sustentar Bolsonaro no poder, mesmo após a derrota nas urnas.

Cid, que trocou o silêncio pela colaboração judicial após meses preso, detalhou ações coordenadas por generais e assessores próximos ao presidente, que incluíam planos de decretação de estado de sítio, tentativa de cooptação de comandos militares e vigilância sobre supostos “infiéis” dentro da caserna — entre eles, Mourão.

Moraes acelera investigações sobre tentativa de golpe

Ao ordenar a oitiva de Mourão, Alexandre de Moraes deixa claro que não tolerará manobras de bastidores que visem melar o processo. O despacho é categórico: “encaminhem-se os autos à Polícia Federal para que proceda a oitiva do senador general Antônio Hamilton Martins Mourão para prestar esclarecimentos sobre os fatos, sem prejuízo de diligências adicionais”.

A ação se insere no contexto do inquérito das milícias digitais e dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que investigam uma sofisticada rede de desinformação, sabotagem institucional e articulação militar que pretendia minar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e manter Bolsonaro no poder por vias ilegítimas.

Um padrão de interferência e manipulação

Não é a primeira vez que Bolsonaro tenta alinhar o discurso de aliados. Em outras frentes investigativas, assessores próximos relataram que o ex-presidente orientava ministros e militares a evitarem contradições nas versões prestadas à PF, além de indicar advogados comuns para “padronizar” depoimentos.

A revelação sobre a ligação a Mourão fortalece a tese de que Bolsonaro opera como um arquiteto da obstrução, agindo nos bastidores mesmo após deixar o Planalto. Isso reforça pedidos de novas medidas cautelares, inclusive restrições de comunicação com investigados.

Silêncio no Planalto, cálculo no Senado

Até o momento, o Palácio do Planalto não comentou oficialmente a nova decisão de Moraes. Já no Senado, onde Mourão atua com discreta lealdade à extrema-direita, o clima é de cálculo frio: aliados tentam blindá-lo politicamente, enquanto adversários cobram coerência com o dever de colaborar com a justiça.

A oitiva do senador pode revelar muito mais do que o conteúdo de uma ligação. Pode escancarar os métodos subterrâneos de Jair Bolsonaro e mostrar o quão profundamente o ex-presidente ainda tenta influenciar o tabuleiro institucional brasileiro.

Com o avanço das investigações, e com delações cada vez mais detalhadas vindo à tona, a pergunta se impõe: até onde vai a capacidade de articulação de Bolsonaro fora do poder? E até quando seus aliados manterão o pacto de silêncio que ameaça ruir a cada nova descoberta?

JR Vital
JR Vital

JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.

Artigos: 47108