Os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à nova versão da Lei da Ficha Limpa frustraram as expectativas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de voltar às urnas em 2030. Inelegível por abuso de poder político e econômico, o ex-mandatário contava com brechas no texto aprovado pelo Congresso para antecipar o fim da punição.
Com os vetos, a janela eleitoral de Bolsonaro se fecha — e sua elegibilidade, por ora, segue barrada até 2031, segundo interpretação atual do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Entenda o que estava em jogo
O projeto de lei, aprovado no fim de setembro, pretendia alterar o marco temporal da inelegibilidade, previsto no artigo 1º da Lei Complementar nº 135/2010. A proposta previa quatro possibilidades para o início do prazo de oito anos: a partir da renúncia ao cargo, da perda do mandato, da condenação por órgão colegiado ou da eleição em que ocorreu o abuso — este último ponto poderia beneficiar diretamente Bolsonaro.
Condenado pelo TSE por atacar o sistema eleitoral e usar eventos oficiais para autopromoção, Bolsonaro foi considerado inelegível a partir de 2 de outubro de 2022. Nesse cálculo, poderia registrar candidatura em 2 de outubro de 2030, antes do primeiro turno das eleições.
Com o veto de Lula, o dispositivo que reduzia o prazo foi suprimido. Assim, o início da contagem permanece a partir da condenação em órgão colegiado, mantendo o ex-presidente fora da disputa até 2031.
Além disso, Bolsonaro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado — pena que ainda cabe recurso, mas sem relação direta com a Ficha Limpa.
O que Lula sancionou e o que vetou
Lula manteve no texto apenas os trechos considerados constitucionais e de baixo impacto político, como a antecipação do início da contagem do prazo de inelegibilidade para políticos condenados por delitos leves. Antes, o prazo começava após o trânsito em julgado; agora, passa a valer a partir da condenação em órgão colegiado, o que reduz o afastamento de quem responde por infrações menores.
Crimes graves — como lavagem de dinheiro, tortura, tráfico, terrorismo e racismo — seguem com as regras originais. O Planalto também vetou a retroatividade da nova lei, impedindo que condenações antigas fossem revistas.
“O veto evita que casos passados sejam reabertos. Se a lei for mais severa, não pode retroagir”, explicou o jurista Fernando Neisser, da Fundação Getulio Vargas (FGV), ao UOL.
Reação do STF e cobrança de Cármen Lúcia
As mudanças provocaram reação no Supremo Tribunal Federal (STF). A ministra Cármen Lúcia determinou que Lula e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), prestem esclarecimentos em até cinco dias sobre as alterações feitas no projeto.
A decisão atendeu a ação do partido Rede Sustentabilidade, que acusa o Senado de ter feito “modificações substanciais” sob o pretexto de ajustes redacionais.
“Determino que sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações ao Presidente da República e ao Presidente do Congresso Nacional, a serem prestadas no prazo máximo e improrrogável de cinco dias”, escreveu Cármen Lúcia em despacho obtido pelo Diário Carioca.
Juristas e autores da lei criticam retrocesso
Um dos criadores da Lei da Ficha Limpa, o advogado Márlon Reis, classificou as alterações como “inconstitucionais” e protocolou duas petições no STF pedindo revisão do projeto.
“A Ficha Limpa é uma conquista histórica. Não pode ser manipulada por interesses partidários ou pessoais”, afirmou Reis.
Para especialistas, a tentativa de flexibilizar a lei representou um risco à credibilidade das instituições eleitorais. O cientista político Marco Teixeira (FGV) avaliou que o debate foi contaminado por interesses diretos de parlamentares:
“Os políticos estão legislando em causa própria. A discussão deixa de ser institucional e passa a ser pessoal.”
Já Beto Vasques, da FESP-SP, avaliou que Lula agiu com pragmatismo político ao vetar parcialmente o texto:
“Se vetasse tudo, o Congresso derrubaria o veto. Ele manteve o essencial e evitou crise com Alcolumbre.”
O discurso de Alcolumbre e a disputa política no Congresso
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, justificou as mudanças dizendo que o objetivo era “modernizar” a Ficha Limpa. Segundo ele, a intenção era “dar o espírito original da lei” e evitar que a inelegibilidade fosse “eterna”.
Críticos, no entanto, afirmam que o discurso encobre uma tentativa de autoproteção política num Congresso com dezenas de parlamentares investigados ou condenados.
Para juristas e entidades de transparência pública, qualquer revisão da Ficha Limpa deve ocorrer em ambiente técnico, com base em estudos e dados, e não sob pressão de grupos políticos afetados por condenações.
Enquanto o Congresso decide se manterá ou derrubará os vetos de Lula, o futuro eleitoral de Jair Bolsonaro segue indefinido — e cada vez mais distante das urnas de 2030.

			
		
		
		
		
		
		
		
		
		
		
		
                               
                             
		
		
		
		
		
		
		
		