A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou nesta quarta-feira (17) o Pacote de Enfrentamento ao Crime (PEC-RJ), de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Bacellar (União Brasil), um conjunto de medidas que especialistas e entidades de direitos humanos classificam como “um verdadeiro retrocesso” que aprofundará o racismo estrutural e violará garantias constitucionais. O projeto foi aprovado em discussão única após uma semana de debates truncados e incorporação de apenas 12 das 65 emendas apresentadas.
O pacote — claramente eleitoreiro e alinhado à agenda punitivista — cria um sistema de monitoramento com reconhecimento facial (tecnologia notória por seu viés racial), proíbe visitas íntimas para presos condenados por crimes hediondos, estabelece cobrança de despesas carcerárias e impõe internação mínima de dois anos para adolescentes. A bancada do Psol votou contra, a deputada Dani Balbi (PCdoB) também rejeitou a proposta, e Elika Takimoto (PT) se absteve.
Os quatro pilares da discriminação institucional
- Cerco Eletrônico Inteligente (SISCEI/RJ): Usará inteligência artificial e reconhecimento facial para monitorar egressos do sistema prisional. Como alerta a advogada Raiza Palmeira, do Fórum Popular de Segurança Pública (FPOPSEG), a tecnologia traz “riscos de erro e leitura de dados com viés racista, como já ocorreu em investigações que resultaram em perseguição e prisão de pessoas pretas e pardas”.
- Fim das visitas íntimas: Condenados por crimes hediondos ou violentos perderão o direito a visitas íntimas — medida que especialistas em sistema prisional condenam, pois aumenta a tensão intramuros e dificulta a reinserção social.
- Cobrança por encarceramento: Ex-presidiários com “sinais de ostentação” poderão ser cobrados pelos custos de sua permanência no sistema prisional — uma ironia cruel em um estado onde a maioria da população carcerária é pobre e negra.
- Internação mínima para adolescentes: Dois anos de internação compulsória para jovens infratores — um ataque direto ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e à Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança.
Críticas: inconstitucionalidade e aprofundamento do racismo
O FPOPSEG e a ONG Criola repudiaram veementemente o pacote. As entidades afirmam que a proposta:
- Viola a Constituição Federal e a Lei de Execuções Penais;
- Desrespeita tratados internacionais de direitos humanos;
- Aprofundará o racismo algorítmico e a criminalização da população negra;
- Ignora evidências de que políticas puramente repressivas aumentam a reincidência.
Daniele Moraes, da Criola, foi direta:
“O PEC-RJ tem viés eleitoreiro e segue apostando em medidas que só alimentam a guerra às drogas, mas oneram o Estado, ceifam vidas, destroem famílias, e não combatem, de fato, o crime”.
A disputa política por trás do projeto
A proposta também reflete a guerra política entre Bacellar e o governador Cláudio Castro (PL). Em julho, Bacellar exonerou o secretário Washington Reis (MDB), aprofundando a crise com o Executivo. O projeto do governo sobre visitas íntimas foi anexado ao texto de Bacellar — uma manobra claramente eleitoral para capitalizar o eleitorado conservador.
Próximos passos: judicialização iminente
O Ministério Público Federal já recebeu representações contra a proposta. A expectativa é que a medida seja judicializada imediatamente, com pedidos de suspensão liminar com base em violações a direitos fundamentais e à constitucionalidade.
Enquanto isso, Bacellar celebra uma vitória política às custas dos direitos humanos e do aprofundamento das desigualdades raciais no estado do Rio.