O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) identificou uma sequência de eventos que, no mínimo, desafia a lógica da coincidência administrativa: uma série de nomeações no Rioprevidência — todas ocorridas em meio a articulações políticas internas do governo Cláudio Castro — seguida por uma explosão de investimentos no Banco Master, instituição que entraria em colapso pouco mais de um ano depois.
A auditoria, ainda sob sigilo, revela como R$ 2,6 bilhões do fundo responsável por pagar aposentadorias e pensões de 235 mil servidores acabaram expostos ao risco.
A liquidação do banco pelo Banco Central, na última terça-feira (18), reacendeu questionamentos sobre a governança da autarquia e sobre o próprio papel do governador bolsonarista na montagem da estrutura que chancelou os investimentos.
A engrenagem: nomeações, datas e decisões aceleradas
Entre julho e outubro de 2023, o Rioprevidência promoveu mudanças estratégicas no alto escalão:
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- Deivis Marcon Antunes assumiu a presidência;
- Eucherio Lerner Rodrigues, a diretoria de Investimentos;
- Pedro Pinheiro Guerra Leal, a gerência de investimentos.
Logo depois dessa reformulação, os aportes no Master tiveram início — e em ritmo incomum para operações públicas desse porte.
Um trecho da auditoria destaca o ponto mais sensível: a nomeação de Eucherio foi publicada no Diário Oficial exatamente no mesmo dia em que o Banco Master protocolou o pedido de credenciamento na autarquia. Na mesma data, o Rioprevidência abriu o processo de análise.
Doze dias depois — um intervalo considerado “incompatível” com a complexidade necessária — o gerente Pedro Leal já afirmava que o banco atendia a todos os requisitos. Na sequência, Antunes autorizou o credenciamento, em um procedimento que o TCE chamou de “acelerado”, “atípico” e com “aparentes irregularidades”.
O volume real: muito acima do que o governo admite
O governo do estado afirma ter investido R$ 960 milhões em Letras Financeiras do Master.
O TCE, porém, encontrou algo muito maior: R$ 2,6 bilhões, incluindo recursos aplicados em fundos administrados pelo próprio banco e por sua corretora.
Grande parte desse dinheiro não tinha cobertura do FGC, o que ampliou drasticamente o risco para os cofres públicos.
Mesmo após o TCE emitir um alerta formal em maio de 2024, chamando atenção para a deterioração acelerada da instituição financeira, o Rioprevidência despejou mais R$ 1,1 bilhão em fundos ligados ao Master entre 20 de maio e 25 de julho — quando a crise já era pública e notória.
O componente político: União Brasil e o distanciamento conveniente do governador
Nos bastidores do Palácio Guanabara, as nomeações do Rioprevidência são atribuídas ao União Brasil, partido aliado e influente dentro do governo Castro. A movimentação teria ocorrido em meio a negociações de cargos e espaços administrativos.
Questionado, Cláudio Castro adotou uma postura que vem se tornando padrão em sua gestão: assumiu a indicação do presidente, Deivis Antunes, exaltando seu “currículo”;
e empurrou a responsabilidade pelos demais para a própria autarquia.
A estratégia — típica do governador — mantém a base política satisfeita enquanto cria uma distância conveniente caso algo dê errado. E deu.
Antunes, por sua vez, alegou ao TCE que o credenciamento do banco teria começado “no início de 2023” e que o Master mantinha “relação antiga e adimplente com o estado”. A justificativa, no entanto, não explica a velocidade incomum com que o processo avançou após as nomeações.
Auditoria ampliada e novos alvos no horizonte
Com o colapso do Banco Master, o TCE abriu uma auditoria extraordinária para descobrir se outras secretarias e prefeituras do estado também expuseram recursos públicos à instituição. Já se sabe que a Cedae investiu R$ 200 milhões.
O Tribunal de Contas do Município avalia abrir investigação específica na capital.
O tamanho do estrago ainda é incerto. Mas o roteiro — nomeações políticas, decisões apressadas, alertas ignorados e bilhões expostos a risco — coloca o governo Cláudio Castro no centro de um caso que deve render desdobramentos jurídicos, políticos e fiscais.
Se foi coincidência, foi a coincidência mais cara do estado em anos.




