Rio de Janeiro – Em mais um episódio da série “urbanismo performático com verniz de modernização”, o prefeito Eduardo Paes decidiu colocar a frota de ônibus do Rio de Janeiro numa espécie de uniforme kitsch e funcional. O anúncio da padronização dos coletivos foi feito nesta quinta-feira (29/5) no Centro de Operações Rio, em meio à divulgação do novo modelo de concessão do transporte público carioca, que deve ser implantado até 2028.
Visual padronizado, cafona e com LEDs
A cidade voltará a ter identidade visual única nos ônibus, com direito a uma pitada de “cafonice assumida”, como o próprio Paes classificou. A pintura será inspirada no padrão “lata de azeite”, metáfora bizarra que já acompanhava os coletivos do primeiro mandato do prefeito.
A justificativa, segundo ele, é tornar os veículos visíveis mesmo em condições de pouca luz, além de facilitar a identificação por pessoas com deficiência visual. Nada contra acessibilidade, claro. Mas por que resolver isso agora, num pacote com design duvidoso e anúncio performático?
Serão cerca de 5 mil ônibus com o novo visual espalhados por 31 áreas da cidade, enterrando o atual modelo de consórcios (Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz). Os veículos também terão seis painéis de LED – cinco externos e um interno – e um velocímetro à vista dos passageiros, para coibir os abusos típicos da categoria.
A cafonice vem com motor traseiro e ar-condicionado
Se o padrão visual é discutível, ao menos o pacote traz avanços técnicos. A prefeitura determinou que os novos coletivos devem ser do tipo piso baixo, com motor traseiro e ar-condicionado obrigatório. O projeto ainda prevê o envelopamento total da lataria, conforme resolução da Secretaria Municipal de Transportes (SMTR).
Segundo a secretária Maína Celidonio, só microônibus e modelos midi escaparão do piso baixo. A proposta é que a experiência do passageiro seja mais confortável – algo que, sejamos francos, não depende só do tipo de chassi, mas também da dignidade do serviço prestado.
Fases, promessas e zona oeste esquecida
A reestruturação do sistema será feita em cinco fases até 2028, ano em que vencem os contratos atuais. A cidade será dividida em 22 lotes estruturais (linhas entre bairros) e 9 locais (linhas internas), começando pela Zona Oeste – onde o transporte público historicamente fede mais que ônibus lotado no verão.
O primeiro grupo da nova licitação inclui Campo Grande e Santa Cruz, com edital previsto para julho e leilão marcado para outubro. Atualmente, essas regiões contam com 199 veículos, que serão substituídos por uma frota de 680 ônibus no novo modelo.
O critério para definir por onde começar? O Índice de Qualidade do Transporte (IQT) da própria prefeitura, que cravou a Zona Oeste como a área mais desassistida. Já a empresa com o pior desempenho é a Transportes Paranapuan, que atua na Ilha do Governador e será alvo da segunda etapa da licitação.
A ilusão da modernização
A cidade tem hoje 4.085 ônibus licenciados, com média de 6,7 anos de uso. A promessa da prefeitura é renovar a frota e dar uma cara “moderna” ao transporte. Mas sejamos francos: pintar ônibus e colocar telinhas de LED é fácil. O difícil é garantir frequência, segurança, pontualidade e fiscalização séria.
Vale lembrar que esse mesmo sistema foi licenciado em 2010 por Paes com promessas similares, depois desfigurado em 2018 por Marcelo Crivella, que liberou a salada visual desde que os veículos tivessem ar-condicionado. Agora o ciclo se repete, como se tinta nova apagasse o histórico de falência, má gestão e conivência com empresários de transporte.
Enquanto isso, o carioca segue enfrentando ônibus lotado, quebrado, demorado e inseguro. Só que agora com um toque de “design de lata de azeite”.
O Carioca esclarece
O que muda com a nova padronização dos ônibus?
Além da pintura única, os novos ônibus terão LED, ar-condicionado, piso baixo e velocímetro interno.
Quem será afetado primeiro pela mudança?
Moradores da Zona Oeste, especialmente Campo Grande e Santa Cruz, terão os primeiros lotes licitados.
Por que o padrão visual foi criticado?
O próprio prefeito reconheceu a “cafonice” do layout, o que já virou piada nas redes.
Como isso afeta o transporte público?
A padronização pode facilitar a identificação, mas não resolve gargalos estruturais como frequência, lotação e precarização.