Mensagens extraídas do celular do tenente-coronel Mauro Cid revelam que o então presidente Jair Bolsonaro determinou a distribuição de proxalutamida, medicamento sem registro no Brasil e ainda em testes internacionais, durante a pandemia de covid-19. Segundo investigação da Polícia Federal, os diálogos de 2021 mostram que a entrega do fármaco foi feita a aliados, empresários e familiares de políticos com autorização direta do chefe do Executivo.
Ordens diretas do presidente
Em 4 de junho de 2021, Cid sugeriu enviar o remédio ao pastor R. R. Soares, internado com covid-19. “Podemos levar amanhã. O senhor dando luz verde, está no Rio”, escreveu. Bolsonaro respondeu: “Aguarde”. Dias depois, Cid relatou a entrega à família do religioso e recebeu um “Valeu” como resposta do presidente.
No dia 21 do mesmo mês, Cid pediu aval para enviar o fármaco a um conhecido. Bolsonaro foi direto: “Mande a proxalutamida”. Para investigadores, esse trecho comprova a autorização pessoal do presidente.
Pazuello também aparece nas mensagens
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, mesmo fora da pasta, incentivou Bolsonaro a citar a proxalutamida em suas transmissões ao vivo. Em conversa com Cid, pediu para estruturar um “protocolo de uso” após receber 280 comprimidos. Ele chegou a afirmar que o medicamento teria dado “bons resultados em Manaus” durante a crise do oxigênio, sem qualquer comprovação científica.
Distribuição irregular e crimes em apuração
A droga, produzida na China como tratamento experimental para câncer, nunca foi aprovada pela FDA nos Estados Unidos nem pela Agência Europeia de Medicamentos. No Brasil, a Anvisa suspendeu pesquisas após irregularidades na importação. A distribuição de substância sem registro pode configurar crime previsto no artigo 273 do Código Penal, com pena de 10 a 15 anos de prisão.
Entre os beneficiados citados nas mensagens estavam empresários do ramo sertanejo, familiares do cantor Amado Batista e o deputado Luciano Bivar, que confirmou ter recebido a droga, embora não tenha sido aplicada por decisão médica.
“Levanta defunto” e uso entre militares
O capitão de corveta Jonathas Diniz Vieira Coelho perguntou a Cid sobre “o remédio que o PR tem mandado”. A resposta foi direta: “Proxalutamida. É meio levanta defunto.” Segundo Cid, familiares de pacientes resistiam ao uso, mas pedidos se multiplicavam dentro das Forças Armadas.
Pesquisas irregulares e operação da PF
O médico Flávio Cadegiani, apontado como responsável por estudos com a substância, nega ter autorizado uso fora de pesquisas clínicas. Em 2022, a Polícia Federal lançou a Operação Duplo Cego, investigando contrabando, falsidade ideológica e distribuição da droga. O inquérito segue em andamento, agora reforçado pelas novas mensagens que apontam para a atuação direta de Jair Bolsonaro na liberação do medicamento.