Justiça em cena

Prima Facie retorna ao Rio e cutuca o Judiciário

25 de maio de 2025
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‘Prima Facie’ fará uma nova temporada no Rio de Janeiro
‘Prima Facie’ fará uma nova temporada no Rio de Janeiro

Rio de JaneiroPrima Facie volta aos palcos cariocas cutucando as entranhas de um sistema judicial que ainda fecha os olhos para vítimas de violência sexual. A peça, escrita pela australiana Suzie Miller, é um fenômeno global e retorna ao Teatro Clara Nunes, na Gávea, entre os dias 27 de junho e 20 de julho, após temporada lotada em 2024.

O monólogo protagonizado por Débora Falabella transformou-se num verdadeiro libelo contra o machismo togado.

Na pele da advogada Tessa, Falabella conduz o público por um tribunal onde os códigos penais não bastam para proteger quem mais precisa. A personagem, criada por Miller — ex-promotora e ativista de direitos humanos —, confronta suas próprias crenças após vivenciar, na pele, as falhas de um sistema legal que muitas vezes absolve estupradores e criminaliza sobreviventes.

A farsa da neutralidade jurídica

A narrativa de Prima Facie joga luz sobre um Judiciário que, sob a máscara da imparcialidade, perpetua desigualdades brutais. A protagonista, vinda da periferia e consagrada como criminalista de elite, precisa rever tudo quando se torna vítima da mesma violência que costumava relativizar nos tribunais. O texto é um soco no estômago de quem ainda acha que a lei é cega — e um alívio para quem grita há anos por justiça de verdade.

A montagem brasileira, dirigida por Yara de Novaes, não suaviza os conflitos. Ao contrário: expõe, com coragem, como o discurso técnico do direito serve muitas vezes para encobrir o machismo estrutural. Não à toa, sessões no Rio de Janeiro e em Brasília, no ano passado, terminaram em debates acalorados com juristas e ativistas. Em uma delas, participaram Cármen Lúcia, Ayres Britto e Raquel Dodge, três nomes do alto escalão jurídico — que ouviram calados o grito que ecoa da boca de Tessa.

Uma peça que virou caso diplomático

Não é exagero dizer que Prima Facie ultrapassou os palcos e virou pauta de Estado. A peça já foi montada em Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia, Turquia, entre outros. Em 2024, Suzie Miller foi chamada à ONU para debater mudanças na legislação sobre abuso sexual. Sua obra, baseada em dados e experiência prática, está inspirando reformas legais e confrontando a cultura da desconfiança às vítimas.

Débora Falabella em solo provocador

A atriz Débora Falabella, em seu primeiro solo teatral, entrega uma performance que transita entre o rigor técnico e o desespero íntimo. Sem adereços, ela sustenta o espetáculo apenas com voz, corpo e olhar — e convence com uma intensidade que beira o insuportável. A cada novo depoimento da personagem, o público é forçado a se questionar: quantas Tessas foram silenciadas por um Judiciário cúmplice?

Não há alívio, nem catarse. O que há é denúncia. E coragem.


O Carioca esclarece

O que é Prima Facie?
É uma peça escrita por Suzie Miller sobre uma advogada que, ao ser vítima de estupro, precisa rever suas convicções jurídicas e morais.

Por que a peça gerou tanto debate?
Por expor como o sistema judiciário, mesmo em países democráticos, ainda protege agressores e descredibiliza vítimas de violência sexual.

Quais as consequências sociais da peça?
Além do impacto emocional no público, Prima Facie inspirou debates parlamentares e foi levada à ONU como exemplo de obra que fomenta mudanças legislativas.

Como isso afeta os direitos das mulheres?
A peça denuncia com clareza como o machismo institucional dificulta o acesso das mulheres à justiça, estimulando a impunidade e o silêncio.

JR Vital

JR Vital

JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.