18 de junho de 2025, Pedro Gomes (MS) — Uma cena que remete às páginas mais sombrias da história brasileira: agentes da Delegacia de Polícia Civil de Pedro Gomes, no Mato Grosso do Sul, foram obrigados a fazer uma vaquinha entre si para comprar comida para um detento.
O motivo? O governo estadual suspendeu há meses o envio de refeições às delegacias, deixando presos à própria sorte, completamente dependentes da caridade dos agentes ou dos próprios familiares — quando os têm.
Em um dos casos, um homem ficou sem qualquer assistência porque não possuía parentes na cidade. Foi então que uma agente penitenciária precisou levar comida de casa para evitar que ele morresse de fome dentro da cela do Estado.
Governo lava as mãos
O problema surgiu após um fracasso no processo de licitação para contratação de fornecedores de alimentos. Sem contrato vigente, o governo simplesmente interrompeu o fornecimento, ignorando obrigações mínimas de dignidade humana.
Procurada, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) alegou que a responsabilidade seria da Polícia Civil, que, por sua vez, afirmou não ter sido comunicada oficialmente sobre o corte das refeições. Enquanto o jogo de empurra se desenrola, quem paga a conta — literalmente — são os agentes e a Defensoria Pública.
Defensoria aciona a Justiça
Diante do absurdo, a Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul acionou as secretarias estaduais de Justiça, Segurança Pública e de Assistência Social, exigindo providências.
“O fato de estarem presos não os torna pessoas sem direitos”, reforça o defensor público Stebbin Athaides Roberto da Silva, que classificou a situação como uma violação flagrante dos direitos humanos fundamentais.
O defensor destaca que a prática fere tratados internacionais, como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificada pelo Brasil desde 1991, que inclui a privação de alimentação como forma de tortura.
Solução emergencial — paga pela prefeitura
A pressão da Defensoria obrigou a prefeitura de Pedro Gomes a firmar um acordo emergencial, já homologado pela Justiça, garantindo uma refeição por dia para as pessoas detidas temporariamente na cadeia da cidade.
Essa medida, no entanto, é provisória, até que o governo estadual regularize a situação. Caso contrário, não está descartado o ajuizamento de ação judicial contra o Estado.
Delegacia interditada… mas cheia
Em 2017, a Justiça determinou a interdição da cadeia pública de Pedro Gomes devido a condições insalubres, como infiltrações, vazamentos e estrutura precária. Na prática, a cadeia foi “desativada”, mas segue recebendo presos, tanto homens quanto mulheres, que permanecem dias encarcerados antes de serem transferidos para outros estabelecimentos prisionais.
O prédio possui apenas quatro celas, que deveriam ser usadas exclusivamente para custódia provisória, mas frequentemente se transformam em locais de encarceramento prolongado — sem comida, sem estrutura e sem dignidade.
Não é um caso isolado
O mesmo cenário se repete em Alcinópolis, município vizinho, onde, segundo relato do defensor, a prefeitura precisou assumir a responsabilidade pela alimentação dos detentos.
“O município de Alcinópolis avocou para si essa tarefa e tem fornecido, via Secretaria de Assistência Social, a alimentação dos presos”, explica Stebbin Silva, revelando que a falência do sistema não é uma exceção, mas uma prática recorrente.
Um retrato cruel da negligência estatal
A situação vivida em Pedro Gomes é apenas mais um capítulo da crise humanitária que se alastra pelo sistema prisional brasileiro, especialmente nas cidades do interior, onde o Estado simplesmente abandona suas responsabilidades.
Enquanto governos discutem, licitações fracassam e burocracias emperram, vidas humanas são tratadas como descartáveis, confinadas em celas sem estrutura, sem alimentação e sem qualquer respeito aos mínimos preceitos de dignidade.
O Diário Carioca seguirá acompanhando o caso e cobrando as responsabilidades do governo de Mato Grosso do Sul.
O Carioca Esclarece:
Privar detentos de alimentação fere diretamente tratados internacionais assinados pelo Brasil, configura violação de direitos humanos e pode ser enquadrado como tortura segundo a legislação internacional.
Com informações do Brasil de Fato

