Genocídio e Covardia

Os trabalhadores da saúde torturados por Israel

Fome, abuso sexual, agressões e humilhações que deixam sequelas mentais e físicas. Relatório da Human Rights Watch reúne relatos do que vivem os profissionais de saúde palestinos presos em Gaza – a maioria, sem qualquer acusação

De veste azul escura, Mohammad Abu Salmiya, diretor do hospital Al-Shifa, em Gaza. Israel o prendeu por 7 meses, sem qualquer acusação. Foto: Reprodução
De veste azul escura, Mohammad Abu Salmiya, diretor do hospital Al-Shifa, em Gaza. Israel o prendeu por 7 meses, sem qualquer acusação. Foto: Reprodução

Pelo People’s Health Dispatch | Tradução: Guilherme Arruda

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Desde 7 de outubro do ano passado, centenas de trabalhadores da saúde palestinos foram presos pelo Exército israelense. Muitos seguem detidos em campos e prisões, mas os que foram libertos estão vindo a público com testemunhos terríveis de abuso e tortura nesses locais. Um recente relatório publicado pela Human Rights Watch, intitulado “Israel: Trabalhadores da saúde palestinos torturados”, apresenta relatos devastadores de profissionais aprisionados por Israel.

Entre os testemunhos coletados pela Human Rights Watch e o Observatório dos Trabalhadores da Saúde – Palestina, há os de enfermeiras, paramédicos e médicos. Todos recontam terem sido despidos, mantidos no frio, amarrados e negados seus pedidos por água e alimento. Os trabalhadores ficaram vendados e algemados por semanas, juntos de outros prisioneiros.

“Apanhávamos toda hora. Eles usavam a parte da frente das botas, que têm uma ponta de metal, e as armas”, diz o cirurgião Eyad Abed, que foi preso durante a evacuação do Hospital Indonésio, localizado na Faixa de Gaza, em novembro do ano passado. “Eles também tinham isqueiros. Um soldado tentou me queimar, mas acabou queimando a pessoa ao meu lado”, ele lembra.

O paramédico da Sociedade de Assistência Médica Palestina, Walid Khalili, descreveu como ficou suspenso por uma corrente no teto enquanto soldados israelenses o expunham a choques elétricos e o banhavam em água gelada para tentar forçá-lo a “confessar” que era um apoiador do Hamas. “A cada pergunta, eu era eletrocutado. Ele [o interrogador] me dizia: confesse e vamos parar de torturar você”, explica Khalili.

O paramédico também encontrou prisioneiros que haviam sofrido abuso sexual. Um deles, que estava detido junto de Khalili, disse que foi estuprado por três soldados que usaram um rifle M16. Quando os soldados o trouxeram de volta, ele “estava sangrando da parte de baixo”, revelou Khalili.


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Outros trabalhadores da saúde também encontraram vítimas de abuso sexual e relataram que ameaças de estupro são uma estratégia muito utilizada. Não só os prisioneiros são ameaçados: os soldados também ameaçam sequestrar, humilhar e estuprar seus familiares, o que impacta profundamente a saúde mental dos detidos.

Mesmo quando os trabalhadores da saúde não eram ligados ao Hamas e não podiam ser coagidos a “confessar” qualquer coisa, o Exército de Israel os mantinham presos, afirma o relatório. Em alguns casos, eles eram indicados para trabalharem na prisão, servindo como intermediários entre os prisioneiros e seus sequestradores israelenses. Nesse papel, eles auxiliavam a distribuição de comida e o uso dos banheiros, além de serem incumbidos de providenciar cuidados médicos básicos – a despeito de não receberem quaisquer insumos e ferramentas para cumprir essa função adequadamente.

Como se não fosse o bastante, os trabalhadores da saúde obrigados a servir de “funcionários da prisão” também eram forçados a ajudar na transferência dos prisioneiros dos cárceres para as salas de interrogatório. “Eu chorava durante as transferências, porque eu é que estava levando eles para a tortura”, lamentou Khader Abu Nada, enfermeiro do norte de Gaza.

A impossibilidade de ajudar os outros prisioneiros e o constante testemunho de seu sofrimento aprofundou os traumas dos trabalhadores de saúde. Mesmo depois de libertos, eles seguem lutando contra os efeitos mentais e físicos do encarceramento. Todos perderam muito peso devido à má qualidade e quantidade insuficiente da alimentação. Alguns sofrem por não conseguirem encontrar suas famílias no norte de Gaza, e outros estão com sequelas decorrente das algemas e das posições em que foram forçados a ficar na prisão.

“Minhas mãos ainda doem. Elas estão fracas, não tenho força para segurar ou carregar nada. Também continuo sentindo dores dos ombros aos dedos. Estou com muito torcicolo por conta da pressão de quando eles empurravam nossas cabeças para ficarmos olhando para baixo”, conta Abu Nada.