Até hoje, a Zona Oeste do Rio – em especial a parte que era antigamente abarcada pela zona rural da cidade, o Sertão Carioca – é vista como uma região de baixa cultura política.
Até hoje vários analistas insinuam que a precariedade de serviços públicos, o alto grau de violência, assim como o domínio de grupos políticos tradicionais e grupos paramilitares se deve a um contexto em que a mobilização, organização e participação política dos setores sociais que ali vivem praticamente inexistem.
Diante desse vazio, assiste-se ali ao predomínio de formas arcaicas e clientelistas de arregimentação política e eleitoral. Vicejam as comparações com o sertão nordestino, o que denuncia o caráter anacrônico, elitista e até xenófoba de algumas análises.
Primarismo, baixa adesão política e pouco apreço a valores como cidadania e democracia, conformariam o caldo cultural responsável por escolhas erradas na hora de votar. Ou seja, todo o problema da Zona Oeste teria como fonte o dedo podre de sua população semi-iletrada quando o assunto é eleger seus representantes.
Não é difícil rebater esse rosário de preconceitos e chavões travestidos de análise científica, mas quero me deter num aspecto pouco explorado da história da região.
Em verdade, a história republicana da antiga zona rural é repleta de exemplos marcantes de expressões organizativas desenvolvidas pelas camadas populares.
Nos anos 20, centenas de humildes lavradores arrendatários de Vargem Grande e Guaratiba se reuniram numa Caixa Beneficente, que visava arrecadar fundos para custear gastos com advogados, necessários na luta contra o Banco de Crédito Móvel, que ambicionava as terras da região.
Nos anos 30, várias cooperativas seriam criadas, como a de Campo Grande, Jacarepaguá e Santa Cruz.
Em meados dos 40, foi criada a Liga Camponesa de Jacarepaguá, demandando terra, sementes, assistência técnica, meios de transporte e fim da grilagem de terras pública. Uma experiência revolucionária, antecipando em 10 anos o fenômeno das Ligas em Pernambuco.
Na mesma época, mais precisamente no final de 1945, surgiam os Comitês Democrático-Populares clamando por melhorias urbanas nos bairros, saúde, segurança, escola; reunindo homens e mulheres, trabalhadoras e trabalhadores urbanos, donas de casa, que discutiam num mesmo espaço questões da sua rua com problemas nacionais. Tratava-se de uma rica experiência associativa que se espalhou por toda a região: Vargem Grande e Pequena, Campo Grande, Sepetiba, Curicica, Magarça, Cachamorra, Bangu, Realengo, Paciência, Cascadura.
Eles seriam os sucessores dos Centros Pró-Melhoramentos, que haviam surgido nos anos 1910 e 1920. E lançariam as sementes das Associações de Moradores dos anos 60 e 70.
Nos anos 50, posseiros, arrendatários e pequenos proprietários da região se organizaram nas Associações de Pequenos Lavradores. Elas eram muito semelhantes às Ligas Camponesas da década anterior.
Nos anos 60, algumas dessas Associações tentaram se transformar em Sindicatos rurais. O Golpe de 1964 e o próprio avanço da urbanização das terras agrícolas do Sertão Carioca impediram a realização desse intento.
Mas ganhariam força as já citadas Associações de Moradores. Elas foram fundamentais na luta da população humilde por melhorias urbanas numa região que começaria uma acelerada expansão demográfica a partir dos anos 70. Elas foram responsáveis também por articular importantes movimentos de pressão para conter despejos, como foram os casos de Rio das Pedras e Gardênia Azul, conseguindo os moradores deste último a promulgação do decreto de desapropriação da área em 1965, pelo então governador da Guanabara Carlos Lacerda.
E além das centenas de organizações por elas criadas, as classes populares do Sertão Carioca se notabilizaram pela constante atuação coletiva em defesa de seus direitos e reivindicações. A consulta de jornais da primeira metade do século XX nos permite flagrar esses moradores realizando inúmeros abaixo-assinados, entrega de memoriais, visitas às redações de jornais. Ou seja, longe de uma população pacata, dócil e avessa à ação política, o que temos diante de nossos olhos é um povo consciente de suas possibilidades de atuação, que sempre viveu na resistência, não por opção, mas por necessidade

