O Centrão articula a volta do voto secreto para decisões sobre processos criminais contra parlamentares, revogando uma conquista histórica da transparência legislativa obtida em 2013 após o escândalo do caso Nathan Donadon. A medida está incluída na PEC da Blindagem, relatada pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), e deve ser votada nesta terça-feira (16) pela Câmara dos Deputados.
A proposta prevê que deputados e senadores só poderão ser processados criminalmente com autorização da própria Casa Legislativa através de votação secreta. O mecanismo permitiria que parlamentares decidissem anonimamente sobre processos contra colegas, criando um ambiente propício ao corporativismo e à impunidade.
Como o voto secreto favoreceu a impunidade
O modelo de votação secreta já foi utilizado em 2013 para tentar salvar o mandato do então deputado Nathan Donadon, condenado a mais de 13 anos de prisão por desviar R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia. Na ocasião, com o sigilo garantido, apenas 233 deputados votaram a favor da cassação, número insuficiente frente aos 257 votos necessários.
Diante da repercussão negativa e do escândalo de impunidade, o Congresso aprovou em seguida uma emenda constitucional que acabou com o sigilo em votações sobre perda de mandato em casos criminais. Na nova votação aberta, Donadon teve o mandato cassado por 467 votos a favor e apenas uma abstenção, comprovando como a transparência altera radicalmente o comportamento dos parlamentares.
Quais as consequências da medida
A PEC da Blindagem estabelece que, mesmo em casos graves que envolvam ameaças ao Estado Democrático de Direito, a decisão sobre prisão de parlamentares poderá ser tomada de forma secreta. Isso dificultaria enormemente a accountability política, pois os eleitores não saberiam como seus representantes votaram em questões cruciais para a democracia.
Além do voto secreto, a proposta prevê prazo de 90 dias para que o Legislativo se manifeste sobre a autorização de processos. Caso esse prazo não seja cumprido, o processo ficará paralisado – outro mecanismo de obstrução da Justiça que beneficia parlamentares investigados.
Por que a transparência importa
A volta do voto secreto representa um gigantesco retrocesso democrático. A transparência nas votações é fundamental para que a sociedade possa acompanhar como seus representantes decidem sobre questões éticas e jurídicas graves. O sigilo protege comportamentos corporativistas e impede que os eleitores punam nas urnas parlamentares que votam sistematicamente contra a accountability e a justiça.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), admitiu que apenas PSOL, PT e PCdoB se posicionaram contra a retomada do voto secreto, revelando o amplo apoio à medida entre partidos do centrão e da direita, que preferem o conforto do anonimato às responsabilidades da transparência.
Qual o impacto na luta anticorrupção
A medida seria um golpe devastador no combate à corrupção e na accountability dos agentes públicos. Ao permitir que parlamentares votem secretamente sobre processos contra colegas, o sistema cria incentivos perversos para a impunidade e o fisiologismo.
Historicamente, o voto secreto tem sido instrumento de preservação de privilégios e blindagem contra a Justiça. Sua reintrodução representaria a vitória do corporativismo sobre o interesse público e um recuo de uma década nas conquistas de transparência do legislativo brasileiro.