O governo federal prepara o envio ao Congresso de um projeto de lei que pode atingir diretamente as big techs que, por omissão, permitam a circulação de conteúdos ilegais contra crianças e adolescentes. A proposta, formulada pela Casa Civil, autoriza a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) a suspender temporariamente redes sociais que, mesmo notificadas, insistam em não remover esse tipo de material.
Pelo texto, a suspensão inicial poderá ser aplicada pela própria ANPD, vinculada ao Ministério da Justiça, sem necessidade imediata de decisão judicial. O bloqueio provisório terá limite de 30 dias e, a partir daí, dependerá de autorização da Justiça para ser mantido. A prioridade declarada é a proteção de usuários contra crimes, golpes e abusos envolvendo menores.
Divergências e acordo interno
A proposta nasceu sob disputa interna. O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) defendia que a suspensão ocorresse sem qualquer ordem judicial, para agilizar a resposta. Já o titular da Secom, Sidônio Palmeira, queria que a medida fosse condicionada a decisão judicial rápida, com canal direto entre ANPD e tribunais. O acordo foi um modelo híbrido: suspensão imediata pela ANPD, seguida de revisão judicial.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva exigiu que o texto chegue ao Congresso ainda em agosto, após reunião com Lewandowski, Sidônio, Jorge Messias (AGU), Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais). O Planalto considera que a recente repercussão do vídeo do influenciador Felca, citando crimes contra menores, cria ambiente político propício para aprovar a medida.
Estratégia e resistências
O governo também articula a votação, pela Câmara, do projeto do senador Alessandro Vieira (MDB-ES), já aprovado no Senado, que combate a “adultização” de crianças nas redes. A expectativa é concluir essa etapa antes de apresentar o novo texto.
Mesmo com cenário favorável, o Executivo reconhece que enfrentará lobby das plataformas e resistência da bancada bolsonarista, que historicamente se opõe a regulações digitais e defende o discurso de “liberdade irrestrita” nas redes — inclusive quando isso encobre práticas criminosas.
Conexões internacionais e impasses econômicos
A proposta chega num momento em que o Brasil tenta recompor relações com as empresas do Vale do Silício, após meses de atrito nas negociações com os Estados Unidos de Donald Trump. A sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, imposta unilateralmente por Trump, havia levado o Planalto a buscar acordos bilaterais com as big techs como sinal de abertura. Hoje, a avaliação é que a Casa Branca não demonstra interesse real em avançar.
O envio do projeto dependerá da articulação com Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado. O Planalto quer encaminhar o texto já na próxima semana, caso haja acordo.