Lula critica tarifas de Trump em jornais internacionais

Artigo do presidente é publicado em nove países e denuncia unilateralismo, crise do multilateralismo e escalada da desigualdade global

JR Vital
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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por...
O presidente Lula (PT) publicou um artigo contra as tarifas de Donald Trump em jornais de nove países. Foto: Reprodução

Brasília, 11 de julho de 2025 — O presidente Lula publicou um artigo simultâneo em nove jornais internacionais criticando o tarifaço de Donald Trump contra produtos brasileiros e defendendo a refundação do multilateralismo como resposta à crise global.


Um alerta ao mundo contra o retrocesso

Lula não nomeou Donald Trump, mas a mensagem tem alvo certo: os tarifaços impostos por Washington contra o Brasil são denunciados como parte de uma ofensiva que ameaça ruir o já combalido sistema multilateral. Em artigo publicado na quinta-feira (10) em veículos como Le Monde, El País, The Guardian, Der Spiegel, Clarín e China Daily, o presidente do Brasil desenha um cenário de colapso civilizatório caso o mundo continue refém da força unilateral.

Intitulado “Não há alternativa ao multilateralismo”, o texto denuncia a erosão das instituições internacionais, o esvaziamento da ONU e da OMC, a banalização das guerras e o descaso dos países ricos com a emergência climática e a fome global. Para Lula, 2025 ameaça ser o ano em que a ordem internacional de 1945 desmorona de vez.


Neoliberalismo, austeridade e caos

O artigo também responsabiliza o receituário neoliberal — renascido após 2008 com os resgates de bancos e cortes de direitos — pela desigualdade crescente, o descrédito das instituições e o terreno fértil para extremismos. Lula lembra que o 1% mais rico acumulou US$ 33,9 trilhões nos últimos dez anos, valor vinte vezes superior ao necessário para erradicar a pobreza mundial.

Nesse contexto, o presidente denuncia a sabotagem de políticas públicas por meio de condicionalidades injustas impostas a países periféricos. Ele rejeita a ideia de “ajuda” e defende reparações históricas: “Não se trata de caridade, mas de corrigir disparidades que têm raízes em séculos de exploração.”


Clima, armas e hipocrisia ocidental

Lula acusa os países ricos de não cumprirem promessas climáticas e denuncia o desmonte de compromissos firmados desde o Protocolo de Quioto. A escalada militar da Otan é citada como sintoma da falência do sistema de cooperação internacional.

O artigo também aponta o genocídio em Gaza, a guerra na Ucrânia e o recente ataque ao Irã como exemplos da normalização da barbárie — muitas vezes protagonizada ou tolerada pelos próprios membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.


A proposta brasileira: refundar, não abandonar

Em contraponto ao colapso, Lula propõe refundar as instituições internacionais com base em inclusão, representatividade e justiça social. Lembra o papel do Brasil na presidência do G20, no BRICS e na COP30 como exemplo de diplomacia construtiva e aposta na possibilidade de convergência mesmo em cenários adversos.

“É urgente insistir na diplomacia e refundar as estruturas de um verdadeiro multilateralismo”, afirma. Para ele, não existe planeta viável sob o domínio do egoísmo nacionalista nem sob a sombra de muros e sanções.

Leia a íntegra do artigo:

O ano de 2025 deveria ser um momento de celebração dedicado às oito décadas de existência da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas pode entrar para a história como o ano em que a ordem internacional construída a partir de 1945 desmoronou.

As rachaduras já estavam visíveis. Desde a invasão do Iraque e do Afeganistão, a intervenção na Líbia e a guerra na Ucrânia, alguns membros permanentes do Conselho de Segurança banalizaram o uso ilegal da força. A omissão frente ao genocídio em Gaza é a negação dos valores mais basilares da humanidade. A incapacidade de superar diferenças fomenta nova escalada da violência no Oriente Médio, cujo capítulo mais recente inclui o ataque ao Irã.

A lei do mais forte também ameaça o sistema multilateral de comércio. Tarifaços desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação. A Organização Mundial do Comércio foi esvaziada e ninguém se recorda da Rodada de Desenvolvimento de Doha.

O colapso financeiro de 2008 evidenciou o fracasso da globalização neoliberal, mas o mundo permaneceu preso ao receituário da austeridade. A opção de socorrer super-ricos e grandes corporações às custas de cidadãos comuns e pequenos negócios aprofundou desigualdades. Nos últimos 10 anos, os US$ 33,9 trilhões acumulados pelo 1% mais rico do planeta é equivalente a 22 vezes os recursos necessários para erradicar a pobreza no mundo.

O estrangulamento da capacidade de ação do Estado redundou no descrédito das instituições. A insatisfação tornou-se terreno fértil para as narrativas extremistas que ameaçam a democracia e fomentam o ódio como projeto político.

Muitos países cortaram programas de cooperação em vez de redobrar esforços para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. Os recursos são insuficientes, seu custo é elevado, o acesso é burocrático e as condições impostas não respeitam as realidades locais.

Não se trata de fazer caridade, mas de corrigir disparidades que têm raízes em séculos de exploração, ingerência e violência contra povos da América Latina e do Caribe, da África e da Ásia. Em um mundo com um PIB combinado de mais de 100 trilhões de dólares, é inaceitável que mais de 700 milhões de pessoas continuem passando fome e vivam sem eletricidade e água.

Os países ricos são os maiores responsáveis históricos pelas emissões de carbono, mas serão os mais pobres quem mais sofrerão com a mudança do clima. O ano de 2024 foi o mais quente da história, mostrando que a realidade está se movendo mais rápido do que o Acordo de Paris. As obrigações vinculantes do Protocolo de Quioto foram substituídas por compromissos voluntários e as promessas de financiamento assumidas na COP15 de Copenhague, que prenunciavam cem bilhões de dólares anuais, nunca se concretizaram. O recente aumento de gastos militares anunciado pela OTAN torna essa possibilidade ainda mais remota.

Os ataques às instituições internacionais ignoram os benefícios concretos trazidos pelo sistema multilateral à vida das pessoas. Se hoje a varíola está erradicada, a camada de ozônio está preservada e os direitos dos trabalhadores ainda estão assegurados em boa parte do mundo, é graças ao esforço dessas instituições.

Em tempos de crescente polarização, expressões como “desglobalização” se tornaram corriqueiras. Mas é impossível “desplanetizar” nossa vida em comum. Não existem muros altos o bastante para manter ilhas de paz e prosperidade cercadas de violência e miséria.

O mundo de hoje é muito diferente do de 1945. Novas forças emergiram e novos desafios se impuseram. Se as organizações internacionais parecem ineficazes, é porque sua estrutura não reflete a atualidade. Ações unilaterais e excludentes são agravadas pelo vácuo de liderança coletiva. A solução para a crise do multilateralismo não é abandoná-lo, mas refundá-lo sob bases mais justas e inclusivas.

É este entendimento que o Brasil – cuja vocação sempre será a de contribuir pela colaboração entre as nações – mostrou na presidência no G20, no ano passado, e segue mostrando nas presidências do BRICS e da COP30, neste ano: o de que é possível encontrar convergências mesmo em cenários adversos.

É urgente insistir na diplomacia e refundar as estruturas de um verdadeiro multilateralismo, capaz de atender aos clamores de uma humanidade que teme pelo seu futuro. Apenas assim deixaremos de assistir, passivos, ao aumento da desigualdade, à insensatez das guerras e à própria destruição de nosso planeta.


O Diário Carioca Esclarece

  • Artigo publicado onde: Le Monde (França), El País (Espanha), The Guardian (Reino Unido), Der Spiegel (Alemanha), Clarín (Argentina), China Daily (China), entre outros.
  • Quem foi criticado: Donald Trump, sem ser citado nominalmente, por tarifas unilaterais contra o Brasil.
  • Ponto central: Lula defende a refundação do multilateralismo como saída para as crises atuais.
  • Contexto político: O texto se insere no cenário de guerra econômica, colapso ambiental e avanço da extrema direita.

FAQ (Perguntas Frequentes)

Lula citou Trump diretamente?
Não. Mas o artigo condena o tarifaço imposto por ele, com críticas diretas ao unilateralismo norte-americano.

O que Lula defende no artigo?
A refundação do sistema multilateral global, com mais inclusão, justiça e compromisso com os povos do Sul Global.

Por que o artigo foi publicado em vários países?
Para pressionar a comunidade internacional e ampliar o alcance da posição brasileira no debate geopolítico atual.


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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.