Danilo Rothberg, Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Foi em um singelo vídeo de pouco mais de cinco minutos, divulgado em 7 de janeiro de 2025, que oficialmente a Meta Plataforms comunicou mudanças em suas políticas de moderação de conteúdo nas mídias Facebook e Instagram. A Meta acusou meios de comunicação e governos de praticar censura, e vieram deles as respostas mais duras às mudanças anunciadas.
As críticas assumiram diferentes tonalidades, assim como suas linhas de defesa.
Antes de analisá-las, é preciso sublinhar que, oficialmente, as alterações foram justificadas pela necessidade de preservar a liberdade de expressão. Mas é um conceito específico de liberdade de expressão que está em jogo, bastante questionado globalmente e rejeitado em boa parte das democracias consolidadas, particularmente no âmbito da União Europeia(UE).
O velho continente está seguro de que a liberdade de expressão não é um valor absoluto e deve ser relativizado diante da exigência igualmente democrática de preservação de direitos humanos, que incluem o direito à integridade da informação.
Nisso, a UE é acompanhada no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e apoiadores do projeto de lei 2630/2020, que daria materialidade a tal entendimento no país, mas foi interrompido no Congresso com a ajuda dos lobbies das plataformas de mídias sociais. Em países como o Brasil, em que o papel civilizatório do poder público enfrenta a resistência cultural organizada pelo autoritarismo, as plataformas têm sido especialmente bem-sucedidas na defesa daquele conceito específico de liberdade de expressão.
Curiosamente, sob tal conceito, muitos ingenuamente acreditam que as mídias sociais são e deveriam continuar sendo um ambiente livre de qualquer interferência. Mas eles desconhecem que a moderação de conteúdo é sistematicamente exercida pelas próprias plataformas, muitas vezes com escassa ou nenhuma transparência, conforme fartamente documentado pela literatura científica, nacional e internacional. O que a regulação europeia exige é que a moderação seja realizada às claras e segundo critérios decididos por instâncias democráticas por meio de processos justos, transparentes e responsivos ao contínuo escrutínio público.
No contexto da regulação europeia, não se aceita que as mídias sociais propaguem ódio, preconceito, discursos antidemocráticos (como ataques aos processos eleitorais) e desinformação (sobretudo, mentiras e boatos), que prejudicam a livre e esclarecida formação da opinião pública.
A lei europeia de regulação das mídias sociais instaura a noção de dever de cuidado para operacionalizar essa compreensão. As mídias sociais podem e devem ser responsabilizadas pelo conteúdo que disseminam, caso a sociedade já tenha decidido democraticamente que tal conteúdo oferece potencialmente consequências nocivas à afirmação dos direitos humanos e à saúde da democracia. Como se sabe, nos Estados Unidos vigora o entendimento oposto.
Resultado da desinformação e discursos de ódio é conhecido
Não custa lembrar quais são as novidades mais relevantes nas plataformas da Meta, que inicialmente valem para os Estados Unidos: eliminação das colaborações formais com agências de checagem de fatos e sua substituição por um sistema no qual usuários previamente inscritos da comunidade opinam sobre a qualidade de conteúdos; relaxamento dos critérios de moderação de conteúdo, restringindo os casos de remoção a pornografia, pedofilia e terrorismo, e retirando filtros que barram discursos de ódio e antidemocráticos.
Em torno de ambos os aspectos, houve muito debate e amadurecimento no mundo para se chegar ao padrão que agora a Meta promete transformar. A falibilidade das checagens foi questionada desde sempre, e em resposta vieram padrões e certificações de qualidade. Se bem que as plataformas, embora tenham sido ativas em financiar checadores, inclusive no Brasil, nem sempre agiram em concordância com suas classificações.
Nunca houve compromisso delas em aceitar as indicações dos checadores, apesar de eles serem seus parceiros. Mas, em muitos momentos, as checagens se mostraram fundamentais, como durante a pandemia. A emergência de saúde pública foi um raro momento em que a importância da credibilidade da informação se tornou mais visível, por ser capaz de salvar vidas.
Em retrospecto, percebemos que, quanto mais desinformação circulou em dadas localidades, mais mortes evitáveis ocorreram ali, novamente conforme documentado pela literatura científica. Outra associação foi crescentemente detectada entre violência, propagação de ódio e desinformação sobre a democracia, até que progressivamente se consolidou a compreensão de que filtros de moderação de conteúdo são importantes para preservar direitos e vidas.
Observando a cobertura das mídias jornalísticas brasileiras sobre a divulgação do vídeo pela Meta, foi possível notar uma convergência na crítica ao enfraquecimento da moderação de conteúdo. A unanimidade pode ser explicada de maneira simples: a sobrevivência do jornalismo industrial depende da manutenção do valor de seus padrões éticos de apuração, que tendem a perder força em um cenário no qual consumidores de desinformação se multiplicam.
A defesa dos checadores de fatos é indissociável da defesa da credibilidade jornalística, argumento explorado no livro que acabo de publicar com colegas. Se a defesa da credibilidade jornalística ainda é empunhada pelo jornalismo industrial como argumento de marketing, advogar pela relevância da checagem de fatos se torna obrigatório.
Além disso, com frequência, as análises, como as de uma reportagem da BBC, viram a novidade como sinal de endosso estratégico da Meta a Donald Trump, que outrora declarara como seria capaz de dificultar seus negócios.
A partir do momento em que se tornou inevitável conviver com Trump e sua defesa da liberdade de expressão como valor absoluto, usado por ele e aliados globalmente como estratégia para permitir a propagação de mentiras, o melhor para os negócios era encampar o conceito do político em ascendência. E até sustentar que a adesão a ele serviria também para combater outros países – latino-americanos, segundo a Meta – que discordavam, situados no mesmo patamar de nações europeias “censoras”.
No Brasil, a crítica do poder público à Meta foi certa e líquida – e devidamente repercutida pelas mídias industriais, que de qualquer forma já tinham outro motivo para criticar as mudanças, conforme vimos acima.
A nova e inesperada convergência entre jornalismo e poder público contra a Meta bem que poderia contribuir para ressuscitar o PL 2630/2020. A ver.
Danilo Rothberg, Livre-docente em Sociologia da Comunicação e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Estadual Paulista (Unesp)
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