Rio de Janeiro, 1º de junho de 2025 — A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi mais uma vez alvo de violência política de gênero em uma sessão pública do Senado Federal, na última terça-feira, 27 de maio, em Brasília. A agressividade verbal dirigida à ministra durante uma audiência na Comissão de Infraestrutura não foi um episódio isolado, mas o reflexo de um ambiente institucional em que o machismo estrutural ainda pauta as relações de poder — especialmente quando exercido por mulheres.
O que se viu na capital federal foi um desfile explícito de desrespeito, misoginia e tentativas de silenciamento contra uma das figuras mais respeitadas da política ambiental internacional. Ao ser ordenada pelo senador Marcos Rogério (PL-RO) a “se pôr no seu lugar”, Marina Silva não apenas teve sua autoridade atacada, mas seu próprio direito à fala restringido diante da omissão — e até cumplicidade — de seus colegas de bancada.
Machismo institucional: um padrão recorrente
A cena grotesca em Brasília não terminou na humilhação pública promovida por Marcos Rogério. O senador Plínio Valério (PSDB-AM), reincidente em agressões à ministra — inclusive tendo sugerido anteriormente “enforcá-la” — voltou a atacá-la com uma lógica perversa: “a mulher Marina merecia respeito, a ministra não”. Após esse comentário, e diante da recusa do parlamentar em se retratar, Marina abandonou a sessão.
As reações institucionais não demoraram. A bancada feminina do Senado divulgou nota oficial classificando o episódio como “misógino e sexista”, denunciando também a violação do Regimento Interno da Casa pela interrupção do microfone de Marina e pela negativa de direito de resposta. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) rechaçou de imediato a fala de Marcos Rogério, destacando que o ataque à ministra é, antes de tudo, um ataque a todas as mulheres que ousam ocupar espaços de poder no Brasil.
Uma violência com endereço e gênero
O que ocorreu com Marina Silva é mais um capítulo de uma prática sistemática: violência política de gênero, já tipificada desde 2021 pela Lei nº 14.192, que visa coibir ações destinadas a restringir os direitos políticos das mulheres. A norma, entretanto, parece insuficiente diante do acúmulo de episódios de desrespeito que se espalham por Câmara dos Deputados, assembleias estaduais e até mesmo pelas redes sociais, sem consequência efetiva para os agressores.
A estrategista política Amanda Brito, do coletivo 72horas.org, alerta: “Os casos que chegam à mídia são apenas a ponta do iceberg. Há um padrão claro de reação violenta quando o tema em pauta são mecanismos de reparação histórica, como a reserva de cadeiras e o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas.”
Amanda também lembra que apenas em 2016 o Senado Federal construiu um banheiro feminino no plenário — 55 anos após a inauguração do prédio. “Ou seja, a Casa nunca se preparou para receber mulheres no poder. Ainda hoje, elas são tratadas como exceção”, conclui.
Congresso hostil às mulheres: outros casos em 2025
O caso de Marina não é isolado. Em fevereiro, a deputada Delegada Katarina (PSD-SE) foi desrespeitada durante uma sessão da Câmara dos Deputados que presidia. Interrompida reiteradamente por parlamentares da extrema-direita, foi defendida publicamente pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), em gesto que expôs o conflito entre a liturgia do cargo e o comportamento descontrolado de setores reacionários.
Ainda mais grotesca foi a agressão dirigida à ministra Gleisi Hoffmann, titular da Secretaria de Relações Institucionais, comparada a um objeto sexual em comentário feito pelo deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que insinuou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria “oferecendo” Gleisi ao senador Davi Alcolumbre. A cena, que remete a práticas de humilhação sexual de escravas e mulheres no regime patriarcal, foi naturalizada por setores bolsonaristas e sequer gerou punição efetiva.
No âmbito estadual, o cenário se repete. Na Assembleia Legislativa do Paraná, a deputada Ana Júlia Lopes (PT) foi alvo de ataques machistas do bolsonarista Ricardo Arruda (PL), que questionou sua postura e até o vestuário. Já em Goiás, a deputada Bia de Lima (PT) sofreu acusações falsas de pedofilia por parte do deputado Amauri Ribeiro (União Brasil), em mais uma tática de intimidação misógina e criminosa.
Dados comprovam escalada alarmante
Levantamento do grupo De Olho Nas Urnas, divulgado em dezembro de 2024, mostra que os casos de violência política de gênero aumentaram em relação às eleições de 2020. Foram 104 notícias registradas apenas no ano passado, contra 94 em 2020. A maioria dos casos envolvia violência simbólica ou psicológica, com destaque para episódios de desmerecimento público, ameaças e tentativas de silenciamento.
A pesquisa revela que as regiões Sudeste e Nordeste concentram a maior parte dos ataques, um reflexo da maior presença feminina nas disputas eleitorais e da resistência reacionária a essa ocupação. Em agosto de 2024, por exemplo, 85% dos casos registrados envolviam esse tipo de agressão — uma prova de que a política brasileira continua sendo um campo minado para mulheres.
O silêncio institucional e a cumplicidade dos pares
Se há algo tão perturbador quanto os ataques, é o silêncio cúmplice de colegas, partidos e instituições. A Procuradoria da Mulher do Senado até hoje não acionou o Conselho de Ética contra parlamentares reincidentes em ataques de gênero. O Supremo Tribunal Federal também segue inerte diante da escalada de agressões verbais, mesmo com a existência de lei específica.
É preciso lembrar: a violência política de gênero não é apenas um problema moral ou ético — é um crime, e como tal deve ser enfrentado com rigor, celeridade e responsabilização. Enquanto isso não acontecer, seguiremos assistindo à repetição perversa de cenas como as vividas por Marina Silva, Gleisi Hoffmann, Ana Júlia Lopes e tantas outras.