Por *Douglas Araújo – Enquanto o mundo enfrenta com apreensão os efeitos da emergência climática, a cidade do Rio de Janeiro tem assumido um papel de epicentro urbano na agenda climática global. Além de ter sido escolhida para sediar recentemente a C40 World Mayors Summit 2025 e a COP30 — que culminou na entrega da Declaração dos Líderes Locais, uma mensagem conjunta de mais de 14 mil líderes municipais aos governos nacionais e à Conferência da ONU sobre o Clima — desde a Rio 92, O Rio se destaca no cenário global não apenas como cartão-postal de vocação turística, mas como ator de governança ambiental.
Durante o Fórum de Líderes Locais da COP30, conquistamos o Local Leaders Awards 2025, da Bloomberg Philanthropies, na categoria “Infraestrutura mais segura para um mundo em mudança”, pelo Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo – lançado pela Prefeitura do Rio em 2024 como resposta estratégica ao aumento das ondas de calor e seus impactos sobre a saúde pública. O protocolo é um sistema integrado de alerta e resposta rápida, que utiliza dados meteorológicos e de saúde para prever riscos e acionar medidas preventivas durante períodos de calor intenso. Ele estabelece níveis de alerta (de Calor 1 a Calor 5) e orientações específicas para diferentes cenários de risco, mobilizando secretarias e serviços municipais de forma coordenada. Esses fatos mostram que o Rio deixou de ser apenas palco de conferências para assumir o papel de ator estratégico na governança climática urbana. Quando desenvolvi o trabalho de pesquisa “Paradiplomacia no Rio de Janeiro – De palco a ator na agenda ambiental”, em 2018, meu objetivo era compreender como uma cidade — e não apenas um Estado — pode ocupar espaço nas Relações Internacionais. Hoje, passados alguns anos, essa reflexão se torna ainda mais urgente.
O conceito de Paradiplomacia, a atuação internacional de governos subnacionais, ganha vida no caso carioca. O Rio, que sempre foi palco de grandes eventos, vem se tornando ator global. A cidade não apenas sediou a Rio+20, mas também presidiu a rede C40 – Cities Climate Leadership Group, um consórcio das maiores metrópoles do mundo comprometidas com a redução das emissões de carbono. O Rio se destacou tanto que chegou à presidência do C40, tornando-se o primeiro representante do hemisfério sul a liderar a maior rede de cidades no enfrentamento às mudanças climáticas. Enquanto o país ainda tratava a diplomacia como prerrogativa exclusiva da União, o Rio mostrou que política internacional também se faz nas prefeituras. Medidas concretas, como a implantação dos corredores BRT, o fechamento do lixão de Gramacho e o reflorestamento urbano, traduziram em ações locais os compromissos globais assumidos nos fóruns internacionais.
Em 2015, o Rio foi reconhecido como a primeira cidade do mundo a cumprir integralmente o Pacto Global de Prefeitos pelo Clima, uma conquista que passou quase despercebida pela opinião pública nacional. Este ano, na Subprefeitura da Zona Norte, implementamos o Recicla ZN em grandes eventos. Em sua primeira edição, a iniciativa recolheu cerca de 1,5 toneladas de resíduos recicláveis. Latas de alumínio e garrafas de vidro, que podem levar até 500 anos para se decompor na natureza, são encaminhados a cooperativas credenciadas à Comlurb, beneficiando catadores e famílias em diversos bairros da cidade. A cidade do Rio de Janeiro tem demonstrado que a política internacional não é privilégio de chanceleres e embaixadas. As cidades, mais próximas das urgências cotidianas, possuem poder real para transformar agendas globais em soluções concretas. E o Rio, com todas as suas contradições, provou que é possível conjugar diplomacia e urbanismo, solidariedade global e ação local. Toda essa experiência nos ensina que a Paradiplomacia não pode depender apenas da visão de uma gestão, mas precisa ser uma política de Estado local, ancorada em instituições permanentes.
O caso carioca é um lembrete oportuno: o futuro do planeta também se decide nas cidades. Quando prefeitos e cidadãos assumem responsabilidades globais, a diplomacia deixa de ser uma abstração distante e passa a respirar o ar, e a poluição, das ruas que habitamos. Talvez o maior ensinamento da Paradiplomacia carioca seja lembrar que o Rio ocupa um lugar de vanguarda no sistema global de ação climática e que é preciso transformar essa vocação internacional em legado e política pública permanente. O Sul Global precisa de recursos e as cidades têm capacidade para investi-los em projetos que façam a diferença. Nenhuma cidade é apenas cenário. Todas são, inevitavelmente, protagonistas.
*Douglas de Souza Araújo é bacharel em Relações Internacionais pelo IBMR – Laureate International Universities, autor da monografia “Paradiplomacia no Rio de Janeiro – De palco a ator na agenda ambiental” (2018) e subprefeito da Zona Norte do Rio de Janeiro.
