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Justiça do RJ solta influenciador que matou recém-casado

Vitor Belarmino atropelou e fugiu; ficou foragido por 10 meses, mas teve a prisão revogada após custódia

JR Vital
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JR Vital
JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por...
Foto: Reprodução

Rio de Janeiro, 30 de maio de 2025 – A Justiça do Rio de Janeiro decidiu nesta sexta-feira revogar a prisão preventiva do influenciador digital Vitor Belarmino, acusado de atropelar e matar o fisioterapeuta Fábio Toshiro Kikuta em plena orla do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste da capital fluminense. A decisão foi proferida durante audiência de custódia, apenas semanas após o acusado se entregar voluntariamente, após quase dez meses foragido.

A palavra-chave foco — Vitor Belarmino — aparece no início da narrativa de mais um episódio que escancara o desequilíbrio do sistema penal brasileiro. O jovem, que cultivava uma persona pública nas redes sociais, conduzia seu veículo em alta velocidade pela orla quando atingiu Fábio Kikuta, recém-casado, que caminhava com a esposa em um momento de celebração íntima. O carro não parou. Belarmino fugiu da cena e do Estado.

Fuga longa e benevolência judicial

Durante dez meses, Vitor Belarmino permaneceu foragido, num movimento que claramente afronta qualquer noção mínima de responsabilidade jurídica. Ainda assim, o Judiciário carioca optou por soltar o acusado, alegando que ele “não representa risco à ordem pública” — uma justificativa cada vez mais recorrente em decisões que favorecem réus com visibilidade midiática, influência econômica ou capital social.

A defesa de Belarmino sustentou a tese de que o atropelamento foi um “acidente” e que o réu “não teve intenção de matar”. A acusação, por outro lado, sustenta a existência de dolo eventual, ou seja, quando o agente assume conscientemente o risco de produzir a morte.

Mas o que parece estar em jogo não é apenas uma disputa jurídica sobre a tipificação do crime. O que se coloca, mais uma vez, em pauta é o tipo de réu que o sistema penal brasileiro poupa — e o tipo que ele pune com brutalidade e agilidade.

Orla do Recreio: cena de crime e privilégio

A tragédia ocorreu em 13 de julho de 2024, em um dos pontos mais privilegiados do Rio de Janeiro. A orla do Recreio, símbolo de lazer para parte da classe média carioca, transformou-se em palco de morte e negligência. Testemunhas afirmam que o veículo de Vitor Belarmino trafegava em altíssima velocidade e não prestou socorro após o impacto.

O fisioterapeuta Fábio Toshiro Kikuta, de 42 anos, havia acabado de se casar com sua companheira. O casal celebrava a união quando foi surpreendido pelo carro em disparada.

O que seguiu foi um roteiro cruelmente familiar: fuga, silêncio, pressão das redes, mobilização pública — e uma justiça lenta para os que têm rosto conhecido e seguidores nas redes.

A função seletiva da prisão preventiva

A prisão preventiva no Brasil é aplicada de maneira desigual e, em muitos casos, serve mais como instrumento de punição prévia contra os pobres do que como mecanismo de garantia processual. O caso de Vitor Belarmino evidencia esse viés.

Segundo juristas críticos do sistema penal, o argumento de que o influenciador “não oferece risco à ordem pública” ignora o próprio ato de ter fugido por quase um ano. Outros apontam que a Justiça segue um padrão de leniência com certos perfis: homens brancos, jovens, com capital social e discurso bem articulado.

“Se fosse um entregador de aplicativo da Baixada Fluminense, ele teria sido preso imediatamente e tratado como um monstro pela mídia e pela Justiça. A seletividade é escandalosa”, afirmou ao Diário Carioca o criminalista Henrique Oliveira, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Comoção pública e memória da vítima

A soltura de Vitor Belarmino gerou indignação nas redes sociais, especialmente entre amigos e familiares de Fábio Toshiro Kikuta, que exigem justiça. Movimentos de vítimas de trânsito e grupos de apoio a familiares de mortos em acidentes vêm denunciando o tratamento desigual dado a réus que contam com visibilidade pública.

“Nosso luto virou espetáculo, e agora a Justiça trata o assassino como alguém que merece liberdade. Estamos revivendo a dor com a conivência institucional”, declarou um primo da vítima, que preferiu não se identificar.

Rio de Janeiro: cidade da impunidade midiática

O Rio de Janeiro, cenário recorrente de tragédias evitáveis, parece operar sob uma lógica perversa onde a celebridade neutraliza a punição. Enquanto jovens negros são presos por portar 3 gramas de maconha ou confundidos com assaltantes em operações policiais brutais, influenciadores digitais que matam e fogem são soltos sob alegações de “bom comportamento”.

A cidade naturalizou o espetáculo da impunidade, e as decisões judiciais que protegem a elite digital não fazem mais do que reforçar esse sistema podre.

O caso de Vitor Belarmino não é exceção. É regra. E mais uma família agora carrega o peso da injustiça enquanto o acusado desfruta da liberdade que só quem tem privilégios conhece.

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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.