Washington, Estados Unidos – Com ares de revanche nacionalista e um verniz jurídico ultrapassado, a Justiça dos Estados Unidos decidiu nesta quinta-feira reacender a fogueira tarifária que Donald Trump acendeu durante seu governo. Um tribunal federal de apelações reverteu a liminar que suspendia as sobretaxas impostas pelo ex-presidente contra países com superávit comercial em relação aos Estados Unidos — uma lista que inclui, claro, a China, o grande bode expiatório do trumpismo econômico.
Tribunal legitima guerra comercial ideológica
A reativação do tarifaço não é apenas uma medida econômica: é a validação judicial de uma agenda protecionista embalada em paranoia nacionalista. A decisão ignora os efeitos desastrosos que tais medidas já causaram a pequenas empresas americanas, além de chancelar o uso distorcido da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) — uma legislação criada para conter ameaças reais à segurança nacional, não para punir quem vende mais que os Estados Unidos.
Durante o governo Trump, a IEEPA foi usada como justificativa para transformar o déficit comercial em uma “emergência nacional”. O truque retórico permitiu a aplicação de uma sobretaxa generalizada de 10% sobre as importações, com alíquotas ainda mais altas direcionadas a inimigos preferenciais como a China. Era a versão trumpista do “Make America Great Again” aplicada ao comércio internacional: gritaria política em lugar de estratégia econômica.
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Pequenas empresas são as primeiras vítimas
A liminar agora derrubada havia sido conquistada por dois grupos de resistência institucional: cinco pequenas empresas americanas, apoiadas pelo Liberty Justice Center, e uma coalizão formada por 13 estados dos Estados Unidos. Entre os atingidos estão importadoras de bebidas e fabricantes de kits educacionais — negócios que não representam conglomerados globais, mas sim a base real da economia americana. Todos alegavam, com razão, que as tarifas destruíam sua competitividade e encareciam seus produtos.
“Estão sacrificando a economia real no altar do populismo protecionista”, declarou em nota uma das empresas envolvidas, apontando o óbvio: a cruzada tarifária de Trump serve mais para alimentar seu discurso messiânico do que para resolver qualquer desequilíbrio estrutural.
O retorno das tarifas do “Dia da Libertação”
Com a decisão, voltam à mesa as famigeradas tarifas do chamado “Dia da Libertação” — um plano ainda mais absurdo anunciado por Trump que previa penalidades comerciais automáticas para países com superávit em relação aos Estados Unidos. É a lógica reversa da diplomacia: punir quem vende bem, premiar quem não compete.
Durante seu mandato, Donald Trump chegou a modular essas tarifas conforme o humor do dia. Em maio passado, ensaiou uma redução nas taxas contra a China como aceno para possíveis acordos. A mesma China que, mesmo atacada, continua sendo um dos maiores detentores da dívida americana e peça central da cadeia produtiva global.
Judiciário americano como braço da revanche trumpista
O pano de fundo dessa reviravolta jurídica é ainda mais preocupante. A decisão do tribunal de apelações expõe um Judiciário cada vez mais vulnerável à infiltração de agendas radicais. A mesma corte que agora reativa o tarifaço é composta por juízes majoritariamente indicados por administrações republicanas, parte de uma engrenagem institucional que segue a pleno vapor para manter vivo o legado tóxico de Donald Trump.
A escolha do momento também não é casual. Em plena pré-campanha presidencial, qualquer vitória jurídica que alimente o discurso antiglobalista de Trump é um trunfo na bolsa de apostas eleitorais. Enquanto isso, os setores produtivos dos Estados Unidos continuam pagando a conta de uma guerra comercial que só serve para alimentar ressentimentos e capitalizar votos.
A farsa da “emergência nacional”
Mais uma vez, a retórica da emergência nacional é instrumentalizada para fins políticos. Ao equiparar desequilíbrios comerciais com ameaças militares ou crises diplomáticas, Donald Trump e seus aliados não apenas distorcem a função da IEEPA, mas também minam a credibilidade do próprio sistema legal norte-americano.
“Essa decisão reforça a visão dos EUA como uma potência econômica que só joga quando está ganhando — e, quando perde, muda as regras”, escreveu o economista Paul Krugman em sua coluna mais recente no New York Times.
No espelho retrovisor da história, quem perde é o trabalhador americano. Não o CEO da multinacional nem o lobbista de Washington, mas o operário que verá os preços subirem, os empregos migrarem e a economia real definhar sob o peso da xenofobia travestida de estratégia comercial.
Enquanto a China segue avançando em acordos bilaterais com Europa, América Latina e África, os Estados Unidos se trancam atrás de suas tarifas, com Donald Trump — e agora o Judiciário — empunhando a chave.
O Carioca esclarece
O que é a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA)?
É uma legislação criada para permitir sanções contra países inimigos dos Estados Unidos, mas foi usada por Donald Trump para justificar tarifas comerciais.
Quais países foram mais afetados pelas tarifas de Trump?
Principalmente a China, mas também países com superávit comercial significativo em relação aos EUA, como Alemanha, México e Japão.
Por que as pequenas empresas americanas se opõem às tarifas?
Porque as sobretaxas aumentam os custos de importação e reduzem a competitividade de produtos, afetando diretamente seus lucros e operações.
As tarifas devem permanecer em vigor?
Com a decisão do tribunal, sim — a menos que novas ações judiciais sejam bem-sucedidas ou que o Congresso intervenha com novas regras comerciais.



