Rio de Janeiro, 30 de maio de 2025 – A tentativa de Jair Bolsonaro de interferir no depoimento de Hamilton Mourão sobre a trama golpista levou Lindbergh Farias a acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) com um pedido formal de investigação criminal contra o ex-presidente.
Ex-mandatário tenta manobrar depoimento de testemunha-chave
A revelação feita pelo senador Hamilton Mourão, de que recebeu um telefonema de Jair Bolsonaro pouco antes de depor ao Supremo Tribunal Federal (STF), acendeu o sinal de alerta no Congresso. O contato, que Mourão descreveu como “genérico”, incluiu uma solicitação direta: Bolsonaro queria que o ex-vice reiterasse ao STF que nunca ouviu qualquer conversa sobre golpe de Estado durante o governo.
A manobra não passou despercebida por Lindbergh Farias, líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara. O parlamentar fluminense apresentou uma representação formal à PGR, argumentando que a ligação configura “obstrução à justiça” e uma tentativa de manipular a produção de provas no processo que investiga a ofensiva bolsonarista contra o Estado Democrático de Direito.
Ligação estratégica ou interferência deliberada?
A escolha do momento da ligação — minutos antes do depoimento de Mourão — não parece ter sido casual. Segundo o documento enviado à PGR, essa “ingerência direta” compromete a isenção da testemunha e viola claramente o dever de não interferência previsto no artigo 344 do Código Penal, que trata da coação no curso do processo.
Para Lindbergh, não há dúvidas: a conduta de Bolsonaro foi calculada e exige uma resposta institucional à altura da gravidade do caso. “É inaceitável que um investigado tente moldar o testemunho de outra autoridade. Isso corrói o processo democrático e desafia frontalmente o Poder Judiciário”, afirmou o deputado em nota.
PT cobra medidas imediatas e punição exemplar
Na representação, Lindbergh Farias solicita à PGR não apenas a abertura de uma investigação criminal contra Jair Bolsonaro, mas também a imposição de medidas cautelares que impeçam o ex-presidente de manter contato, direto ou indireto, com qualquer testemunha envolvida na investigação da tentativa de golpe.
O deputado fluminense pede ainda que o Ministério Público Federal requisite os registros telefônicos, metadados e mensagens trocadas entre Bolsonaro e Mourão, além de uma nova oitiva do senador para esclarecer, em detalhes, o conteúdo do telefonema.
A denúncia foi embasada em reportagem publicada pela jornalista Bela Megale, do jornal O Globo, e nas declarações dadas por Mourão em entrevista ao portal Metrópoles. Embora o general tenha minimizado o teor da conversa, a insistência de Bolsonaro para que ele mencionasse a ausência de diálogo golpista é vista por juristas como um ato deliberado de obstrução de justiça.
Bolsonaro insiste em reescrever a narrativa do golpe
Desde que as investigações sobre a tentativa de golpe avançaram, Jair Bolsonaro tem recorrido a uma estratégia dupla: negar os fatos publicamente e, nos bastidores, tentar minar os depoimentos e evidências que o incriminam. A ligação a Mourão é apenas mais um capítulo dessa campanha velada para reescrever a história antes que ela seja registrada nos autos da Justiça.
A narrativa de Bolsonaro de que não houve conspiração é desmentida por uma série de provas já coletadas, como as minutas de decreto de estado de sítio, reuniões com militares insatisfeitos, além da atuação de seu entorno em redes de desinformação.
No centro desse enredo está o esforço contínuo da extrema-direita para descredibilizar as instituições democráticas, desinformar a opinião pública e escapar das consequências jurídicas de sua própria trama.
Pressão sobre a PGR e os riscos da leniência institucional
A movimentação de Lindbergh Farias coloca pressão direta sobre a atuação da Procuradoria-Geral da República, especialmente após críticas à gestão de Paulo Gonet por sua morosidade em casos de alto impacto político envolvendo a extrema-direita.
A dúvida que paira em Brasília e em setores da sociedade civil organizada é se a PGR estará à altura da gravidade do caso ou continuará a se esquivar do enfrentamento direto com as forças antidemocráticas que ainda operam nas sombras do Estado.
Enquanto isso, Jair Bolsonaro permanece politicamente ativo e cercado de aliados estratégicos no Congresso Nacional e nas Forças Armadas, onde ainda goza de simpatia entre setores ultraconservadores.
A tentativa de influenciar Hamilton Mourão — senador da República e general da reserva — não é apenas uma afronta ao processo judicial, mas um sintoma de uma doença mais profunda: a naturalização da impunidade bolsonarista.
Denunciar não basta: é preciso punir
Diante da robustez dos indícios, a reação da PGR será um teste decisivo para o sistema de justiça brasileiro. O pedido de Lindbergh pode marcar o início de uma responsabilização mais firme ou, ao contrário, expor mais uma vez a fragilidade institucional diante do poder corrosivo da extrema-direita.
Se Bolsonaro conseguir novamente escapar de sanções formais mesmo após interferir descaradamente no curso de um processo judicial, o Brasil corre o risco de institucionalizar o arbítrio como método político.
A democracia, como alertam os próprios autos, ainda está sob ataque.

