Brasília, 3 de junho de 2025 — O Senado Federal decidiu bancar com dinheiro público uma viagem internacional que beira a apologia ao golpismo. Uma comitiva oficial de parlamentares brasileiros partirá nos próximos dias rumo aos Estados Unidos, com a missão declarada de “verificar violações de direitos humanos” contra três mulheres presas por imigração ilegal no Texas — todas envolvidas nos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023, que atacaram os três poderes da República em Brasília.
A iniciativa foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, após requerimento apresentado pelo senador Eduardo Girão, do partido Novo do Ceará, um dos nomes mais ativos na narrativa revisionista da extrema-direita brasileira. A viagem será totalmente custeada pelos cofres do Congresso Nacional, em um momento de crise fiscal e contenção de gastos para áreas sociais e essenciais.
Fuga golpista financiada com dinheiro público
As três mulheres citadas — Michely Paiva Alves, Rosana Maciel Gomes e Raquel Lopes de Souza — estão detidas desde 21 de janeiro de 2023 em um centro de detenção para imigrantes em El Paso, no Texas, um dia após a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Elas fugiram do Brasil para evitar o cumprimento de penas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e foram presas ao tentar entrar nos EUA sem documentação.
As detenções ocorreram após elas deixarem o país na esteira das condenações por crimes como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado com violência, associação criminosa armada e deterioração de patrimônio tombado — entre outros. Mesmo assim, o senador Girão defende que o Senado brasileiro deve atuar como espécie de tutor internacional das detentas, alegando “perseguição política” e exigindo a “responsabilização de todos os envolvidos nesses atos arbitrários”.
Reescrevendo a história a serviço do bolsonarismo
A retórica de Girão, já conhecida por distorcer fatos e se alinhar às pautas da extrema-direita internacional, tem como base a alegação de que as três mulheres “somente adentraram em um prédio para se proteger das bombas que eram ateadas por helicópteros”. Não há, evidentemente, qualquer prova ou indício de que isso tenha ocorrido. Ao contrário: todas já foram condenadas pelo STF, com base em provas materiais, vídeos, depoimentos e interceptações.
A proposta da comitiva se baseia em uma tese insustentável de que os EUA estariam violando direitos humanos ao manter as presas em um centro de detenção de imigração. Ignora-se o fato de que a entrada ilegal no território norte-americano é crime tipificado, e que as prisões seguem os trâmites legais da administração de imigração dos EUA.
Além disso, Girão tenta incluir na narrativa a figura de Cristiane da Silva, deportada ao Brasil após tentativa frustrada de asilo. Condenada por associação criminosa e incitação ao crime, Cristiane é mais uma das personagens de uma trama farsesca que tenta transformar criminosas em vítimas e golpistas em refugiadas políticas.
Missão “humanitária” ou propaganda disfarçada?
Na prática, a missão tem todos os contornos de uma viagem ideológica disfarçada de ação institucional. Um tour de solidariedade golpista financiado com dinheiro do contribuinte. A justificativa formal da comitiva é “avaliar condições de encarceramento e investigar denúncias de abusos”, mas o pano de fundo é escandalosamente claro: reforçar a narrativa de que os condenados do 8 de janeiro são perseguidos políticos, e não criminosos com sentenças transitadas em julgado.
A viagem, bancada pelo Congresso Nacional, não teve orçamento divulgado. Tampouco se sabe quais senadores farão parte da comitiva, além de Girão. A Comissão de Direitos Humanos do Senado não se pronunciou sobre o ineditismo de enviar uma missão para averiguar prisões legais realizadas por um dos principais aliados diplomáticos do Brasil — os Estados Unidos.
O uso político da asfixia democrática
A tentativa de criar mártires golpistas fora do país é mais uma peça no xadrez internacional da desinformação. Com a viagem, Girão sinaliza às alas mais radicais do bolsonarismo que o Senado pode ser usado como palco e escudo — inclusive no exterior. Trata-se de um aceno à direita global, que tem visto no Brasil um terreno fértil para narrativas conspiratórias e ações coordenadas contra instituições democráticas.
Enquanto isso, o país assiste inerte ao desmonte de políticas sociais, à fome que volta a crescer, e à escalada da desigualdade. Mas há verba e empenho institucional para visitar presas golpistas nos Estados Unidos. Um símbolo perfeito de prioridades invertidas.